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"Ela começou a me humilhar na frente dos
outros. Chegou ao ponto de colocar o tênis
em minha cadeira para que eu o amarrasse”
R., estagiário

O empresário Márcio André Barbosa Barroso, 37 anos, o estagiário R., 27, o jornalista L., 44, e o assistente financeiro P., 35, não se conhecem, mas, caso se encontrassem, teriam experiências semelhantes para compartilhar. Eles tiveram que abandonar seus empregos por causa de uma violência sutil e silenciosa que afeta mais as mulheres, mas que resulta na mesma dor moral quando a vítima é um homem. Assediados sexualmente por suas chefes, foram perseguidos, humilhados e se tornaram alvo de chacota após recusarem as investidas delas. Barroso largou tudo e foi viajar pela Europa. R. desistiu do estágio. L. deixou o cargo e voltou para sua cidade natal. E P. abandonou o trabalho, mesmo sem ter outro emprego em vista.

“Ela passava a mão em mim, me convidava para sair e queria ir para minha casa, um dia até mordeu as minhas costas”, conta Barroso, que, no ano passado, enfrentou, durante dois meses, as cantadas de sua chefe na empresa de telefonia celular na qual trabalhava, em Brasília. “As pessoas riam de mim o tempo todo”, lembra. Ao se sentir rejeitada, a mulher, por volta dos 50 anos, passou a persegui-lo. Chegou a criar situações para que ele fosse demitido, como lhe atribuir faltas, mesmo diante de um atestado médico. As consultas eram justamente para tratar da síndrome do pânico que desenvolveu devido à opressão que sofria.
Barroso tentou denunciá-la, mas foi em vão. “Achavam que eu estava mentindo, que era um absurdo uma mulher assediar um homem.” Sem saber a quem recorrer, ele procurou a Justiça. O assédio sexual é crime no Brasil desde 2001. Apesar de as mulheres terem hoje mais liberdade sexual e ocuparem mais cargos de chefia, os casos de assédio delas contra eles ainda são considerados raros. Estima-se que eles sejam vítimas em apenas um em cada 100 casos. Ainda assim, dificilmente essas histórias se transformam em ações ou chegam aos consultórios.

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"Adquiri síndrome do pânico. Até hoje, quando relembro,
começo a ficar nervoso. Tenho muita ansiedade”
Márcio Barroso, empresário

Mas com o empresário de Brasília foi diferente. A ação que ele moveu resultou em agosto no primeiro caso de indenização por assédio sexual praticado por uma mulher contra um subordinado. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) confirmou a decisão em primeira instância, concedendo uma indenização por danos morais. O valor é simbólico (R$ 5 mil), mas deve alcançar o objetivo pretendido. “Meu caso pode abrir caminho para outros”, acredita. De volta ao Brasil, ele tem hoje uma pequena empresa e conta com a ajuda da família e da namorada para superar as sequelas dos meses de psicoterror. “Não gosto de lembrar o que passei, porque toda aquela angústia volta e a síndrome reaparece.”

O psicólogo Roberto Heloani explica que o sofrimento e o constrangimento para o homem em uma situação assim são idênticos ao da mulher. “Ele fica sem saída, porque, se aceita sair com a chefe, pode destruir seu relacionamento ou até sua carreira e, se recusa, tem sua masculinidade questionada”, comenta o especialista, que prepara um livro sobre assédio sexual. Também como as mulheres, eles têm medo de denunciar. “A vítima de assédio sexual acha que os outros vão pensar que ela é que provocou a situação”, diz. Na obra que está elaborando sobre o tema, Heloani vai contar a história de um jornalista de São Paulo, ocorrida há sete anos. Convites para viagem e toques em sua perna durante reuniões eram algumas das armas de sua chefe. Quando percebeu que não era correspondida, o assédio sexual se transformou em moral. Ela espalhou boatos de que ele era homossexual, marcava reuniões aos fins de semana e as desmarcava sem avisá-lo e lhe atribuía funções aquém de sua competência. Sufocado pelo medo de a esposa descobrir e vendo a carreira prejudicada, ele resolveu largar tudo. “Se continuasse lá, acabaria com um câncer”, conta no livro. O conselho do especialista é que as vítimas compartilhem com amigos e familiares a angústia que estão sentindo.

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O estagiário R. fugiu durante um ano de uma chefe que ficava no seu encalço. A gota d’água aconteceu quando a assediadora começou a aterrorizar, por ciúmes, uma colega que ele havia indicado, até ela pedir demissão. “Vi que a situação estava no limite, inventei uma história e me demiti”, conta. A superior, cinco anos mais velha, o convidava para sair, aparecia em encontros de colegas sem ser convidada, tirava satisfação quando ele falava com alguma mulher do trabalho e um dia chegou ao ponto de colocar o pé em sua cadeira pedindo que ele amarrasse seu tênis. “Morri de vergonha, ficou todo mundo me olhando.” Consumida pela rejeição, a mulher até impediu que R. fosse promovido para outro setor.

Conforme ressalta o consultor de recursos humanos Dirceu Moreira, o assédio envolve muito mais poder do que sexo. “Trata-se de uma pessoa com poder que quer humilhar a outra, uma relação onde um sabe as regras e o outro não”, diz. Ele relembra o caso de um paciente, o assistente financeiro P., que descobriu que havia sido promovido porque a chefe estava interessada nele. “Ele passou a questionar a própria competência e se sentia culpado por ter sido ingênuo.” Ao perceber que não era correspondida, a supervisora passou a isolá-lo. Seis meses depois, o rapaz pediu demissão. Os advogados dizem que as vítimas devem juntar provas para uma possível ação, como e-mails e até gravações. Mas alertam que nem todo elogio ou cordialidade implica assédio.