O poder do dinheiro influencia de tal forma o processo eleitoral brasileiro que hoje se recomenda pensar duas vezes antes de repetir que as urnas expressam a vontade do povo. As fraudes na arrecadação de recursos de campanha, o escambo eleitoral, a supervalorização do marketing e o peso cada vez maior dos programas na tevê concorrem para tirar do eleitor o controle sobre o próprio voto. Essa distorção e suas consequências são o tema do livro A mentira das urnas (ed. Record, 189 páginas, R$ 28,90), que o jornalista Maurício Dias acaba de lançar. À experiência de 34 anos de carreira – em veículos como ISTOÉ, Veja, O Globo, Jornal do Brasil e Carta Capital – Dias acrescenta sua formação de historiador para identificar acontecimentos que moldaram o sistema eleitoral do País. As conclusões são preocupantes. Personagens como PC Farias ou Waldomiro Diniz não simbolizam uma minoria de pervertidos: seja qual for a ideologia, é prática comum entre os partidos injetar nas campanhas muito mais dinheiro do que declaram à Justiça (algumas vezes oriundo do crime). A ganância contamina as máquinas governamentais, e cargos-chave são reservados para figuras talentosas na arte de arrecadar. No governo federal, por exemplo, este vício “torna os cargos de segundo e terceiro escalões mais cobiçados do que até mesmo os ministérios”.

O autor constata que a eleição deixou de ser um fato político para se tornar um fato econômico. Basta checar os gastos das quatro últimas campanhas presidenciais para ter certeza de que uma boa arrecadação é quase garantia de vitória: desde Collor, venceu sempre quem teve mais recursos. Na última votação, Lula liderou pela primeira vez o placar de arrecadação, com cerca de R$ 39 milhões, e finalmente chegou lá. Candidatos a deputados e vereadores também não fogem à realidade. Boa parte das doações é feita por baixo dos panos, mas é como se tudo fosse feito legalmente. “A prestação de contas é enviada à Justiça Eleitoral, que finge acreditar nos números”, sublinha Maurício Dias. “É a ‘beatificação do ilícito’, como dizia o ex-ministro da Justiça Paulo Brossard.”

A ineficiência da Justiça Eleitoral incentiva a ilegalidade. A chamada compra  de votos, em que o eleitor muda de candidato em troca de algum ganho imediato, não afeta apenas os pobres. O livro cita pesquisa da ONG Transparência  Brasil feita em 2003 com 150 empresários. Destes, 70% responderam que já tinham sido compelidos a contribuir e, nesse universo, 58% disseram “ter havido menção a vantagens a serem auferidas em troca de financiamento”.
Muitos defendem como solução o financiamento público de campanhas. O autor discorda: “Esse recurso não elimina o caixa dois. Pelo contrário, praticamente empurra para a ilegalidade os que gostariam de fazer doações legais.” Dias dá uma sugestão para amenizar a influência do dinheiro: “Os partidos deveriam voltar a ter uma linha ideológica definida.” Do contrário, acredita, os políticos estarão cavando o buraco em que vão se enterrar.