Um levantamento do Ministério Público paranaense revela que a performance do líder do PP, José Janene, na arrecadação de propinas que resultam da promiscuidade entre o poder público e seus prestadores de serviços é bem mais arrojada do que se sabia. Um mensalaço montado em parceria com o ex-prefeito de Londrina, Antônio Belinati – cassado e preso no final do mandato, em 2002 –, rendeu ao esquema de Janene, entre o final de 1997 e início de 1999, uma montanha de R$ 7.784.636,07 – quase o dobro dos R$ 4,1 milhões que o publicitário Marcos Valério diz ter mandado ao líder do PP. Na época, o real tinha o mesmo valor do dólar.

Nem a mulher de Janene ficou de fora. Auditoria do Ministério Público em duas empresas envolvidas com corrupção na Prefeitura de Londrina mostra que Stael Fernanda Rodrigues Lima Janene, no mesmo período, recebeu R$ 393 mil, numa conta que mantinha no Bradesco. A regularidade dos depósitos é impressionante: sempre entre os dias 10 e 14 de cada mês, em valor fixo. Dos 19 créditos identificados, apenas três apresentam cifras diferentes – R$ 30 mil, R$ 22 mil e R$ 5 mil. Os outros 16 são cada qual de R$ 21 mil, depositados em espécie por um emissário de Janene ou por funcionários das empresas citadas nas ações da Justiça como corruptoras. Os repasses, segundo o Ministério Público paranaense, eram a contrapartida de um esquema paralelo, acertado entre Janene e os diretores das empresas Tâmara Serviços Técnicos S/C Ltda. e Principal Vigilância S/C Ltda., Henrique César Galli e José Luiz Sander.

Com endereços declarados em Iguaraçu (PR), as empresas teriam contribuído com um esquema de corrupção montado em dois órgãos municipais, a Autarquia Municipal do Ambiente (AMA) e a Companhia Municipal de Urbanização (Comurb).

Cobrança – A secretária das empresas, Vânia Maria Jolo, contou que foi orientada a abastecer a conta de Stael Fernanda para cumprir acordo de seus chefes com Janene. Uma das pessoas encarregadas de apanhar o dinheiro em espécie, segundo ela, era a secretária do deputado, que ela conhece por Rosa. A secretária afirma que quando a propina atrasava a cobrança era por telefone e imediata. “Algumas dessas ligações eram efetuadas pelo próprio José Janene”, revelou Vânia em depoimento aos promotores Leila Shimiti Voltarelli e Renato de Lima Castro.

Nas denúncias, cuja íntegra ISTOÉ teve acesso, os promotores relacionam os períodos dos desvios à fartura de recursos nos cofres da Prefeitura de Londrina como conseqüência da venda de 45% das ações da empresa de telefonia municipal, a Serviços de Comunicações Telefônicos (Sercomtel), à Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel) – estatal do governo do Paraná – em 1998. A venda rendeu à administração de Belinati R$ 186 milhões e a prefeitura ainda ficou com 55% do capital da empresa. É desse gordo caixa, segundo os promotores, que os recursos saíram em profusão, especialmente para o Fundo de Urbanização de Londrina, conhecido pela sugestiva sigla de F.U.L., administrado pela Comurb – onde Janene indicou, entre outros, o diretor financeiro, o advogado Eduardo Alonso. Réu como Janene nas mesmas ações, Alonso aceitou colaborar com as investigações. Favorecido pela delação premiada, deu ao Ministério Público as informações mais importantes para esquadrinhar o esquema. Só na ação em que o mensalinho a Stael é detalhado, o grupo de Janene é acusado de ter desviado R$ 1.109.949,47.

O Ministério Público diz que, sob a falsa chancela de consultoria, as empresas apresentaram projetos e planos sobre sistema viário, meio ambiente e urbanização apenas “para dar aparência” a serviços fictícios. A fraude foi tão escandalosa que as 23 cartas-convite, licitações, notas fiscais e contratos das empresas foram expedidas depois que a prefeitura pagou por obras ou serviços fictícios. De acordo com o Ministério Público, parte dos gastos retornava ao grupo através de cheques emitidos pelos fornecedores.

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Eduardo Alonso contou que Janene, atendendo a um pedido de Belinati, pediu que intermediasse um contato para que a troca de cheques emitidos por duas empresas de Curitiba, a Nova Forma e a Kesikowski, fosse feita em São Paulo. O dinheiro teria sido repassado à Realty Investimentos, Participações e Empreendimentos Ltda., cujo capital, numa porcentagem de 99%, pertence à empresa uruguaia Norgrend Sociedade Anônima, que está sendo investigada pela Polícia Federal. A Realty teria recebido das empresas que aparecem nos contratos R$ 2.603.000.

Quadrilha – O grosso dos recursos supostamente desviados nos 11 casos listados saiu da Comurb, seguindo a mesma lógica. Os promotores escrevem nas denúncias que o grupo tinha em mente o montante a ser sacado e agiu com rapidez – daí a montagem posterior dos processos para justificar os pagamentos.

Os promotores garantem que as investigações provam que a Comurb foi alvo de uma
grande quadrilha montada para “assaltar
os cofres públicos”. Sustentam que os
recursos arrecadados “deram e dariam”
suporte aos interesses pessoais de Janene e Belinati, especialmente no financiamento de campanhas eleitorais. “É um escândalo sem precedentes. Nunca houve tanta facilidade em dilapidar o Erário”, escrevem os promotores Cláudio Rubino Zuan Esteves e Solange Novaes da Silva Vicentim.

Nas 11 ações por improbidade administrativa movidas contra Janene e sua patota há fartura de documentos reforçando as denúncias: extratos bancários, agendas com anotações sobre valores transferidos e depoimentos confirmando o modus operandi do grupo. Os promotores também apreenderam um processo que estava sendo montado para justificar pagamento já consumado.

O loteamento dos dois órgãos e a relação “meeira” operada pelo grupo deram o formato do mensalinho que o líder do PP emprestaria para Delúbio Soares. As provas contra Janene foram mandadas ao Conselho de Ética da Câmara e ao Supremo Tribunal Federal. Os promotores pedem a devolução do dinheiro, o bloqueio dos bens e a suspensão dos direitos políticos do líder do PP e de Belinati por oito anos.


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