Conta o crítico teatral Sábato Magaldi que, no início de sua atividade, a imprensa reservava espaços generosos para resenhas. Em O Estado de S.Paulo, chegava a escrever até 12 laudas – o equivalente a uma página ilustrada de jornal – e, não raro, era convocado a aumentar o texto. O mesmo devia acontecer com Mário Pedrosa ou com Ferreira Gullar, que fazia crítica de arte no Jornal do Brasil e na revista ISTOÉ, em 1986. Já vão longe os anos em que os textos analíticos enchiam páginas de cultura dos jornais, o que leva a pensar que o desaparecimento dos ensaios da grande imprensa contribui para o sentimento generalizado de incompreensão que acompanha o público de exposições de arte contemporânea. Se a crítica não é mais um exercício cotidiano, cresce a relevância de lançamentos que compilam importantes textos dos últimos 50 anos. Caso dos títulos da coleção Pensamento crítico (Funarte) ou do livro Experiência crítica (Cosacnaify, 384 págs., R$ 49), que reúne três décadas da produção do carioca Ronaldo Brito.

“Para o público, certamente, o crítico é um acelerador de percepção. A partir da leitura da crítica, ele vai perceber certos elementos da obra que estariam inacessíveis”, diz Paulo Sergio Duarte, atual curador da Bienal do Mercosul e um dos contemplados pela coleção Pensamento crítico, com o título A trilha da trama e outros textos sobre arte (238 págs., R$ 10). No ensaio que dá título ao livro, escrito em 1979, Duarte analisa a obra do paraibano Antonio Dias e esclarece uma premissa básica para entender a produção contemporânea: o universo das artes plásticas já ultrapassou a mera exposição de objetos. Isso significa que – desde as vanguardas modernistas – a arte vem se desmaterializando e hoje está apta a estabelecer com seu público relações menos contemplativas e mais reflexivas e sensoriais.

O que particulariza o momento que vivemos hoje do histórico recente de revoluções e rupturas do modernismo é o que o crítico Ronaldo Brito se questiona em O moderno e o contemporâneo: o novo e o outro novo, publicado em Experiência crítica. O ensaio é um bom ponto de partida para pensar, por exemplo, o que os objetos cotidianos de Waltercio Caldas devem aos jogos propostos por Marcel Duchamp, nos anos 20; ou o que aproxima os vídeos feitos hoje pela jovem artista Lia Chaia dos registros de body art feitos por Iole de Freitas, em 1974, ou da expressão corporal contida nas pinceladas de Jackson Pollock, nos anos 50.

Para familiarizar-se com práticas comuns dos anos 70 até hoje, como a performance e a body art, é essencial conhecer o contexto em que o neoconcretista Hélio Oiticica rompeu com a superfície da tela. Nesse caso, vale conhecer as divergências que separaram concretistas do Rio e de São Paulo e a referência nesse assunto é Abstracionismo geométrico e informal – a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta (Funarte, 310 págs., R$ 48), parceria entre a artista Anna Bella Geiger e o crítico Fernando Cocchiarale. Além de começar a preencher lacunas, atendendo tanto a um público especializado quanto em formação, as publicações indicam que o teórico de arte pode ser lido como um pensador que abrange diversos âmbitos da cultura. Isso fica evidente no texto Futebol e arte, de 1985, contido no volume da coleção Pensamento crítico (188 págs., R$ 10) dedicado à obra de Frederico Morais.

No ensaio, Morais aponta para as coincidências que aproximam o jogador Garrincha do pintor Guignard. Segundo o crítico mineiro, ambos – o primeiro, de perna torta, e o segundo “de fala torta”, com seu lábio leporino – teriam sido, sem entender de política, “heróis de um Brasil romântico”, “artistas de uma época em que a arte e o futebol não tinham sido dominados pelo mercado”. Paulo Sergio Duarte também diz acreditar em uma crítica aberta e compreensível para um público não-especializado. “Meu teste é passar um texto por amigos que são grandes mestres nas suas áreas, como física ou economia. Se eles não entendem o texto, não serve. Tenho um amigo, psicanalista francês, cujo teste é a porteira de seu edifício; se ela não entender, ele não publica”, diz ele.