Embora seja um pré-candidato assumido à sucessão do presidente Lula em 2010, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) é sempre mencionado na lista de possíveis vices na chapa da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, provável concorrente do PT ao Palácio do Planalto. No entanto, Ciro diz que a candidatura de Dilma foi uma estratégia do presidente para evitar brigas internas no PT. Ele acredita que a ministra pode alcançar "fácil" 25% da preferência do eleitorado (hoje ela tem em torno de 11%). Mas ainda falta a ela um projeto para o País. "Eu advogo que a gente tem que discutir projetos", disse. Depois de sumir de cena por muitos meses, o deputado, 51 anos, se diz recuperado de problemas de saúde e está pronto para retornar ao debate político. Sempre no mesmo estilo. Nesta entrevista à ISTOÉ, na terça-feira 24, atacou seu antigo partido, o PSDB, o Democratas, o PMDB e o governo federal. "A administração pública brasileira não vai bem", afirmou. E alimentou o embate com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acusado por ele de "espalhar a cizânia" e destruir a memória de Itamar Franco. Leia os principais trechos da entrevista.

ISTOÉ – O sr. passou um período retraído e agora está saindo para a estrada de novo, se lançando para a campanha presidencial?
Ciro – Tive alguns problemas. Tive uma paralisia facial causada por um vírus, que me deixou no estaleiro 40 dias. Na sequência, minha sogra internou- se, minha mulher gravando uma novela, sem poder dar assistência, achei que era meu dever dar apoio a ela. Minha sogra morreu. Foram basicamente dois ou três meses que eu não podia estar na luta. Já fui candidato a presidente da República duas vezes, portanto não posso andar mentindo, como certos candidatos notórios que dizem que não são candidatos. Eu sou. Mas já tenho experiência suficiente para saber que ninguém consolida uma candidatura a tal distância do processo.

ISTOÉ – Seu projeto para o País se parece com o da ministra Dilma?
Ciro Gomes – Eu diria que a Dilma não tem projeto.

ISTOÉ – É bom que ela bote logo as ideias na rua?
Ciro – Advogo que a gente tem que discutir projetos. Uma mera luta pelo poder, sem nenhum conteúdo, fará muito mal ao Brasil. Trata-se de quê? De voltar à hegemonia do PSDB-PFL ou garantir a presença do PT a qualquer preço, a qualquer circunstância? É isso que o País precisa que se ponha em discussão.

ISTOÉ – A ministra elogiou o sr.
Ciro – Minha relação com ela é de muita amizade, de muita fraternidade. A Dilma é uma administradora sem par. Talvez a única lacuna na vida pública dela seja a falta de vivência política. Mas isso não é nada que não possa suprir com esforço.

ISTOÉ – O problema numa dobradinha com Dilma é que hoje o sr. tem mais votos do que ela? Ciro – Isso tudo é ilusão de ótica. Na hora certa, vamos ver o que interessa.

ISTOÉ – Ela pode crescer nas pesquisas?
Ciro – Com certeza, se ela for a candidata apontada pelo Lula. O cruzamento da influência dele com a preferência relativa que o PT tem dá a ela um patamar de 25% fácil.

ISTOÉ – O sr. conversou com o presidente Lula sobre a sucessão?
Ciro – É cedo. O Lula é um gênio político. O que o Lula está fazendo? Ele conhece o PT mais que ninguém. Ele sabe que se não botasse a mão, ainda que oficiosamente, no ombro de uma pessoa, numa hora dessas as diversas correntes do PT estariam se engalfinhando. Ele bota a mão, aparentemente, na Dilma, e trava o debate. Está prevenindo a desgraceira de uma brigalhada das diversas correntes do PT pela sucessão dele.

ISTOÉ – O sr. acha correto o PT restabelecer algumas personalidades, como o Delúbio Soares? Ciro – No Brasil, o que é compreensível, como temos uma democracia muito verdinha, há um justiçamento por parte da imprensa. Ela não percebe que faz justiçamentos. Há direitos e garantias universais. Presunção de inocência até o julgamento final, o contraditório, o ônus da prova de quem acusa. Não vejo o Delúbio como um marginal, um perigoso gângster como vi desenhado na imprensa. Cassar direitos políticos de uma pessoa cujo julgamento está pendente é estranho.

ISTOÉ – José Serra está com 40% sem ter se lançado candidato. É possível alguém derrotar o governador de São Paulo na próxima eleição?
Ciro – É perfeitamente possível. Sempre achei que a oposição ao governo Lula, ao nosso governo, saía do processo com certo favoritismo. Isso não quer dizer vitória de véspera.

ISTOÉ – O sr. apoia a iniciativa do governador mineiro Aécio Neves de andar pelo Brasil em campanha?
Ciro – O governador de Minas tem a obrigação de expor sua posição no debate político nacional. Boa parte do que está sofrendo o Brasil deve-se ao desmantelamento da presença equilibradora de Minas Gerais na política.

Tenho para mim, conhecendo bem o gênio político do Fernando Henrique, que isso foi deliberado. Fernando Henrique sabia que para reinar, ou seja, para a reeleição e para a perpetuação desse grupo plutocrata que ele lidera a partir da avenida Paulista, precisava enfraquecer Minas. Ele cuidou disso muito bem, dizimou a política mineira, destruiu a memória do Itamar Franco, espalhou a cizânia.

ISTOÉ – O PMDB ficou forte com as presidências da Câmara e do Senado. A próxima eleição presidencial tem que passar pelo PMDB?
Ciro – A questão é quais são os princípios morais e intelectuais que presidem esta ou aquela aliança. Já censurei essa tática, quando o Fernando Henrique fez essa aliança com o PMDB, porque o que preside essas alianças é o ajuntamento, é a fisiologia, é o clientelismo, é a concessão à safadeza, à ladroeira, e isso não leva o País a lugar nenhum, isso é uma ilusão de alianças.

ISTOÉ – O presidente Lula tem recebido críticas por aparelhar o serviço público.
Ciro – O Brasil precisa de administração profissional e meritocrática. A administração pública brasileira não vai bem. O desempenho do PAC é sinal disso. É muito curioso, se não fosse trágico: hoje tem muito mais dinheiro que capacidade de fazer.

ISTOÉ – O Brasil não consegue gastar o dinheiro do PAC?
Ciro – Não consegue por gap gerencial, por falta de estrutura de prestação profissional. Há uma legislação estúpida na área de ambiente, estúpida na área de licitação, estúpida na área de controle de contas.

ISTOÉ – A popularidade do presidente Lula pode cair ainda mais?
Ciro – Vai cair. Nada trágico, mas vai cair consistentemente.

"Uma mera luta pelo poder, sem nenhum conteúdo, fará muito mal ao Brasil"

ISTOÉ – O presidente do BC, Henrique Meirelles, deveria ser mais agressivo com a queda dos juros?
Ciro – O Meirelles ajudou o Brasil de forma substantiva no primeiro mandato do presidente Lula. Mas o modelo está errado. O Banco Central cometeu um desatino quando a crise já estava instalada e tinha proporções que sabíamos terríveis. Eles fizeram essa política maluca de aumentar os juros nacionais olhando uma inflação de demanda estúpida, que não existia. Acrescentou um dado nacional desnecessário, estúpido, àquilo que seria grave. O problema é o modelo, não é o Meirelles.