Há dois meses o Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho, é o epicentro de crises desencadeadas por gravações. A mais recente veio à tona na semana passada, quando uma coletânea de grampos telefônicos apontou para a prática de tráfico de influência e uso indevido de informações sigilosas. É que a voz de Ricardo Lied, chefe de gabinete da governadora Yeda Crusius (PSDB), apareceu em quatro de oito gravações entregues à seção gaúcha da OAB pelo ex-ouvidor de Segurança Pública Adão Paiani. Em um dos grampos, feito durante a campanha municipal de 2008, o chefe de gabinete da governadora avisa que a ficha policial do candidato petista à Prefeitura de Lageado é limpa. "Não tem nada na ficha dele", relata Lied a Márcio Klaus (PSDB), então vereador da cidade.

"Ele tem só uma perda de documento, nunca teve nada na ficha."

A gravação foi feita por meio do Guardião, o sistema de escuta telefônica utilizado pela Secretaria de Segurança para investigar crimes. Para Luís Fernando Schmidt, o objeto da conversação, houve uso indevido de um instrumento público criado para proteger o cidadão. "Se minha ficha fosse suja, seria provavelmente usada contra mim", acredita Schmidt. "Era o momento de intimidar, de coagir, de constranger."

Em outra gravação, divulgada na segunda-feira 23 pela Rádio Gaúcha, Klaus aparece conversando com a prefeita de Lageado, Carmen Regina Cardoso, que se reelegeu, sobre o comandante da Brigada Militar do município, Antônio Scussel. "Deixa ele quieto. Antes da eleição não se mete com nada", diz a prefeita. Em seguida comenta que Cado, como é conhecido o chefe de gabinete, conhece bem o comandante. "O próprio governo vai tomar alguma decisão", informou a prefeita, em telefonema interceptado no dia 19 de setembro.

Uma semana depois, Klaus foi preso pela Brigada Militar. Mesmo atrás das grades, ele se reelegeu vereador, mas acabou cassado posteriormente, acusado de compra de votos e uso de bem público na campanha. Klaus está em todas as gravações em poder da OAB, mas há dúvidas sobre a origem dos grampos. Segundo o Tribunal Regional Federal, apenas uma das conversas integra o processo que corre em sigilo contra Klaus. Um promotor de Lageado garante que entregou o material para o ex-ouvidor, que teria se apresentado como emissário da governadora no dia 12 de março, após ser demitido do cargo. Paiani, por outro lado, assegura que recebeu as gravações de outra fonte, cuja identidade não pode revelar.

Paiani conta que entregou as cópias dos grampos à OAB para denunciar o vazamento de escutas do Guardião. "Esse vazamento constatou outros delitos, como tráfico de influência no gabinete da governadora", diz o ex-ouvidor, que foi expulso do PSDB na terça-feira 24. O Palácio do Piratini, por sua vez, reagiu ao imbróglio abrindo uma sindicância para apurar a atuação do ex-ouvidor e mantendo Ricardo Lied no posto. É a segunda vez, em dois meses, que o governo Yeda Crusius ficou na defesa por causa de episódios do gênero. Na anterior, ainda sob investigação, o PSOL anunciou que gravações entregues à Justiça durante procedimento de delação premiada colocam em xeque até o patrimônio da governadora.