i104241.jpgO consagrado compositor e músico Chico Buarque, 64 anos, está de volta à literatura com o romance Leite derramado (Companhia das Letras, 196 págs., R$ 36), que acaba de chegar às livrarias e coloca ao autor um desafio: superar ou igualar o êxito de crítica e público obtido pelo seu livro anterior. A nova obra de Chico, criador de clássicos da música popular brasileira como Roda-viva, Construção e João e Maria, está sendo lançada seis anos após o sucesso de Budapeste, romance vencedor do prêmio Jabuti de melhor ficção que vendeu cerca de 275 mil exemplares, foi traduzido para quatro idiomas e ganhou adaptação para o cinema.

Os seus outros dois livros, Estorvo e Benjamin, que também tiveram adaptações cinematográficas, não alcançaram vendagem tão expressiva. Leite derramado foi escrito em um ano e cinco meses e a maior parte do tempo Chico o fez em sua casa no Rio de Janeiro, com passagens pelo apartamento em Paris, para onde viaja em busca de privacidade.

No centro da trama está o senhor Eulálio d’Assumpção, prestes a completar 100 anos de idade. Ele se encontra moribundo numa cama de hospital e oscila entre momentos de lucidez e loucura nos quais remonta ao seu passado mais longínquo, desde os tempos imperiais. Com doses de humor, autocomiseração e otimismo, ele relata passagens de sua vida, o seu amor pela espalhafatosa Matilde, e retrata com habilidade de bom cronista as transformações vivenciadas pela sociedade carioca à medida que as gerações se sucedem em sua família.

A sua fala incansável e impertinente (ele se encontra numa UTI hospitalar, fica-se sabendo) é entrecortada pela realidade crua das injeções e das dores, pela visita da filha e do neto e pelo ruído da televisão sempre ligada.

Essa viagem no tempo e pelas memórias do personagem foi cuidadosamente construída por Chico, que pesquisou a história do Rio de Janeiro antigo e inseriu informações reais na obra fictícia. Ele localiza a fazenda do protagonista, o fidalgo Eulálio d’Assumpção, numa região chamada Raiz da Serra (na Baixada Fluminense), área antigamente ocupada por prósperas propriedades rurais e hoje empobrecida.

No romance, todos os personagens masculinos da família chamam-se Eulálio e a filha do protagonista, Maria Eulália. No nome dado ao personagem há uma referência à biografia do próprio autor: Eulálio é como se chamava o tataravô baiano de Chico, ancestral que já foi citado em sua música Paratodos.

i104240.jpg

"Nem parei para pensar de onde vinha a minha raiva repentina, só senti que era alaranjada a raiva cega que tive da alegria dela. E vou deixar de falação porque a dor só faz piorar"