Os institutos de pesquisas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos podem ir para o canto da sala e ajoelhar no milho. O castigo seria decorrência da falta de exatidão dos números coletados nos estudos sobre intenção de votos nos dois países. Abaixo da linha equato-
riana, especialmente em São Paulo, alardeava-se empate técnico entre os candidatos José Serra (PSDB) e Marta Suplicy (PT) na corrida à prefeitura da cidade. As urnas mostraram que o primeiro levou 43% dos sufrágios, e a segunda ficou com 35%. A diferença entre as profecias das pesquisas e a realidade verificada pós-votações se espalhou por outras localidades. Os americanos não estão com melhor sorte. Embora ainda não tenham cravado oficialmente os nomes de candidatos nas cédulas, havia – até o debate presidencial no dia 28 de setembro, vencido pelo desafiante democrata – a clara impressão de que o presidente George W. Bush estava mais de dez pontos à frente de seu opositor, John Kerry. Foi criada no país a noção do “já ganhou”, em que Bush estaria quase reeleito. O problema é que ninguém se deu ao trabalho de saber o que pensam milhões de eleitores que estão além dos radares dos pesquisadores.

É verdade que esta percepção de inevitabilidade de W. Bush variava muito de
acordo com os dados colhidos entre as várias empresas pesquisadoras. Havia quem apostasse, ainda pré-debate, num empate técnico entre o democrata e o republicano, mesmo que o segundo mostrasse certa vantagem tendencial. “O problema é que as empresas têm métodos de pesquisas diferentes e, em muitas instâncias, estão defasados. Por exemplo: o Instituto Gallup verifica as intenções de quem já votou no passado – os chamados ‘eleitores prováveis’, sem considerar as pessoas que têm novos registros eleitorais. Além disso, as perguntas são feitas apenas a quem tem telefone de linha fixa, e não levam em consideração os telefones celulares, que são os meios de comunicação da enorme multidão de jovens que irá às urnas em novembro próximo”, diz Isaac Shulman, diretor do apartidário Centro de Análises Políticas Forverts, de Nova York.

Foi usando esses argumentos e tentando barrar a onda de derrotismo dos democratas que o cineasta Michael Moore, autor do documentário Fahrenheit 9/11, entrou em ação, enviando mensagem eletrônica massificada para milhões de partidários de John Kerry. “Vamos parar de choramingar como criancinhas. Não são os institutos de pesquisas e seus métodos arcaicos que vão determinar estas eleições. Já chega termos deixado a Suprema Corte fazer exatamente isso em 2000”, disse Moore. Ele poderia ter lembrado também que, naquelas eleições, as redes de televisão comeram bola, anunciando primeiro que o democrata Al Gore vencera no Estado da Flórida. Baseavam-se nas indicações de uma empresa de pesquisas que fornece dados para um pool de emissoras. Com o passar das horas, os âncoras do país tiveram de voltar atrás e dar a vitória a George W. Bush. O resultado deste imbróglio – causado a partir da verificação de tendências de boca de urna – foi o famoso melê das recontagens.

As confusões continuam quatro anos depois dos erros na Flórida. Na mesma semana que o Instituto Gallup mostrava o presidente com vantagem de 14 pontos, outras empresas de pesquisas apontavam superioridade de apenas quatro pontos porcentuais. O que teria provocado tamanha desigualdade? “Em primeiro lugar, o Gallup considera que os republicanos são eleitores mais consistentes: vão votar com mais frequência. Por isso dão vantagem de seis a oito pontos aos republicanos sobre os democratas. Acontece que nas últimas eleições presidenciais os democratas foram mais fiéis – de quatro a cinco pontos. Somente essa discrepância já é suficiente para explicar a suposta vantagem de 14 pontos de Bush. Um claro erro de metodologia”, diz Doug Lansky, da organização militante democrata MoveOn.Org. “E os veículos de comunicação, principalmente a rede CNN e o jornal USA Today, que se utilizam do Gallup, perpetuam esse erro, que pode influenciar na votação e sabotar o processo democrático”, diz Lansky.

Existem outros fatores que transformam estas eleições presidenciais americanas num pleito singular. O número de novos eleitores – gente que se registrou pela primeira vez para votar – ultrapassou todas as expectativas, transformando 2004 na maior arregimentação de sufragistas na história do país. Na verdade, ninguém sabe o que fará este exército cívico que irá determinar o próximo presidente americano: não há nenhuma pesquisa científica feita com eles.