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CONTATO
Cada um dos 33 soterrados faz questão de mostrar aos
familiares que está bem de saúde e preparado para a espera do resgate
 

Depois de 50 dias enclausurados a 700 metros de profundidade, os 33 mineiros chilenos protagonistas de uma tragédia transmitida em tempo real conseguiram construir uma rotina que definem como ordeira e otimista. Eles têm atividades físicas diárias, controlam as horas de sono, se alimentam seguindo recomendações de nutricionistas e, nas duas últimas semanas, familiares e equipes de resgate que acampam nos arredores da mina constataram que os soterrados voltaram a sorrir.

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SAUDADE
Um sobrinho do mineiro Esteban
Rojas demonstra carinho pelo tio soterrado

Ariel Ticona, apontado pelo grupo como o mais ranzinza, foi o último a alterar a feição de rosto fechado para um semblante mais alegre. Ele abriu um enorme sorriso na terça-feira 14, quando acompanhou o nascimento de sua filha através de um vídeo.
As conversas que antes se resumiam a relatos sobre o temor da morte ou mesmo o medo de ficar tanto tempo sem ver o sol deram lugar a temas mais objetivos e pragmáticos. Entre as muitas atividades incorporadas à rotina dos mineiros, uma chama especial atenção: aulas de oratória. Saudáveis, bem-humorados e, claro, esperançosos, os soterrados do Atacama precisam estar preparados para o futuro. Eles sabem que com a luz do dia virá uma maratona midiática antes inimaginável em suas vidas. Nas conversas diárias que mantêm com os familiares, todos são informados do que se passa no mundo exterior e muitos já manifestaram a perspectiva de se tornarem heróis de forma instantânea. Estudiosos comportamentais atribuem a reação dos mineiros à uma máxima inerente à natureza humana: é durante a crise que o homem aflora o que tem de melhor e exerce sua capacidade de cooperar e ser solidário. “O primeiro ponto é o desejo de permanecer vivo e esse desejo, quando se está em grupo, acaba contagiando o ambiente”, explica Cláudio Reis, do departamento de psicologia da Unesp.

As dificuldades enfrentadas em uma tragédia como a do
Chile fazem com que as vítimas se tornem mais solidárias,
cooperativas e pacientes com os outros envolvidos

O desejo de estar vivo é que fez com que ­esses homens pudessem estabelecer uma rotina e esquecer antigos comportamentos. Quase que de forma automática um líder surgiu no grupo e este papel coube a Luis Urzúa, 54 anos e pai de dois filhos. Ele rapidamente dividiu os espaços entre os mineiros, como se cada um fosse o responsável pela manutenção de sua área. Racionou a comida e organizou os turnos nos primeiros momentos. Agora, é o responsável por manter o moral elevado do grupo. Para auxiliar Urzúa, autoridades do Chile pediram ajuda à Nasa. A agência espacial americana mandou quatro especialistas, que agora são os responsáveis por introduzir técnicas que visam a recuperação dos ritmos biológicos do dia e da noite dos mineiros. “Isso requer trabalhar com uma rotina de luz, exercício físico e alimentação”, disse o psicólogo da Nasa, Albert W. Holland.

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APOIO
Neta do mineiro Mário Gómez escreve cartas com
declarações de amor e palavras de incentivo para o avô

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UMBILICAL
Uma tubulação é a responsável por levar comida,
notícias e até livros de autoajuda aos mineiros

Parte da resiliência desses homens pode ser explicada, segundo Reis, pela atividade que exercem. “O fato de trabalhar com uma situação de grande risco, como é o caso das minas, já é um pré-preparo para lidar com a tragédia”, acredita o psicólogo. Somado a isso, o contato com a família, possibilitado pela tecnologia, também os ajuda a manter a calma. “Raúl tem reclamado que a situação não é fácil, mas eu e nossa filha conseguimos dar conselhos pelo telefone”, conta Carolina Narváez, esposa de Raúl Bustos. Foi a tecnologia, também, que ajudou Ticona a acompanhar o nascimento da filha. Apesar das toneladas de rocha que o separaram daquele momento, ele pôde acompanhar o parto por vídeo. A menina, que antes da tragédia que se abateu sobre a família se chamaria Carolina, acabou sendo batizada de Esperanza, o nome do acampamento que se formou em volta da mina onde familiares, técnicos, engenheiros e jornalistas esperam pelo resgate.
O otimismo que se mantém dentro da mina é cada vez mais justificado pelo que acontece na superfície. A programação inicial, que previa mais três meses para o resgate dos mineiros, foi reavaliada. Nas duas últimas semanas, o rápido avanço das duas perfuratrizes que operam no local surpreendeu os técnicos.

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Elizabeth batizou a filha de Esperanza, nome do
acampamento formado ao redor da mina que desabou no
início de agosto, em homenagem ao marido aprisionado

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Uma nova possibilidade de resgate está prevista para acontecer já no meio do mês de outubro, o mais tardar no início de novembro – cerca de 40 dias antes do previsto. Antes anônimos trabalhadores, os 33 mineiros entram para a história do Chile como símbolo de força e resistência. Dentro da mina, eles têm dedicado seu tempo a repensar e descobrir coisas novas, de acordo com Alberto Iturra, o psicólogo que acompanha o grupo. Não por acaso, Franklin Lobo, mineiro do grupo dos 33, estarreceu-se diante do que percebeu há 700 metros de profundidade. “O que mais me surpreende aqui”, escreveu em uma de suas cartas, “é o quanto somos apaixonados pelas nossas mulheres”.

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