Cada vez mais especializado em tipos estouradinhos como o Maximus de Gladiador, o ator australiano Russell Crowe tem dado provas na vida real de que tem mesmo o sangue quente. Em junho passado, culpou o atendente de um hotel nova-iorquino por não conseguir falar ao telefone com a mulher, Danielle Spencer, arrancando o aparelho da parede e lançando na cara do pobre coitado. Processado e ameaçado de pegar até sete anos de cadeia, ficou mais calmo e ofereceu US$ 100 mil para fazer as pazes, quantia irrisória perto do que deve ter ganho para socar os adversários nos ringues de A luta pela esperança (Cinderella man, Estados Unidos/2005), em cartaz nacional na sexta-feira 9. Ainda bem que Crowe, cujo cachê ronda os US$ 20 milhões, não usou os punhos contra o hoteleiro. As horas gastas nos ginásios com o treinador Angelo Dundee, encarregado dos músculos de Muhammad Ali, fizeram dele um pugilista convincente – e esse detalhe é a melhor coisa do filme de Ron Howard.

A figura de Baddrock, conhecido como Homem Cinderela pela trajetória de contos de fada, também ajuda. Tido com uma das maiores lendas do boxe americano, o chamado Buldogue de Bergen realmente existiu – sobre ele já foram feitos até alguns documentários. Acostumado a ganhar US$ 8 mil por luta – e isso era uma fábula nos anos 20 –, Baddrock vê seu orçamento mensal cair para US$ 25 ao ser afastado dos ringues. Pai de três garotos, ele tem que se virar na Nova York da Grande Depressão, se alinhando aos desempregados que brigam por uma diária nas docas de Nova Jersey. Fora de forma, tenta de novo as lutas. O mediano Howard tenta alinhavar a ascensão de Baddrock com o esforço do povo americano para sair da crise. Não é uma boa idéia, especialmente porque o boxe rende melhor em obras desencantadas – Menina de ouro é o exemplo mais recente do poder desta metáfora.

Assim, o que poderia ser um ótimo argumento para um drama social aos moldes de A turba, de King Vidor, acaba virando um dramalhão fake como o cabelo tingido de preto de Crowe. Ao declarar, numa entrevista, que luta por leite, o que seria indignação vira apenas uma piada do lutador. Sem achar o tom, Howard desperdiça cenas como aquela em que Baddrock come um picadinho de carne diretamente do prato, feito o buldogue do apelido. Cria também histórias paralelas que não deslancham, a exemplo do amigo sem motivação, morto numa Hooverville, favelas tão feias como as nossas, ao lado do Central Park – sim, elas existiram nos Estados Unidos. Sobra, então, a sempre ótima performance de Crowe, que impede o filme de virar um Cinderelo Trapalhão.


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