img.jpg
CONFIANÇA
A engenheira Cristina Quillis é um dos braços
direitos do empresário Juan Quirós (ao lado)

Durante quatro meses, a assistente administrativa Maristela Boaventura, 32 anos, ensaiou seu discurso de pedido de aumento. Até a ajuda do marido ela solicitou. “Os homens são mais racionais”, justifica. A analista de mídias sociais Roberta Cardoso, 28 anos, tremia, suava e enjoava só de pensar que precisava falar com seu chefe sobre salário. Mesmo sem conseguir verbalizar suas reivindicações, recebeu um aumento de R$ 200. Decepcionada, pediu demissão e virou autônoma. A consultora de franquias Mônica Vitória, 42 anos, ganhava R$ 1,6 mil até dois anos atrás. Durante décadas viveu a angústia de não conseguir negociar aumento salarial e crescer na empresa. Até que decidiu criar uma poderosa rede de contatos. A dificuldade em pedir aumento e fazer network é apenas uma das muitas barreiras que as mulheres ainda enfrentam no mercado de trabalho para ascender profissionalmente.

img2.jpg

As mulheres conquistam cada vez mais espaço no mercado de trabalho – representam 42,6% do contingente profissional no Brasil – e ocupam funções até então dominadas pelos homens. Mas ainda ganham menos que eles e raramente alcançam postos do topo da pirâmide corporativa. Essa realidade é mundial. Nos Estados Unidos, apenas 1% das cadeiras de CEO é ocupado por mulheres. Desde os anos 70, quando a revolução feminista inflamou o mundo, a mulher convive com a sensação claustrofóbica gerada pelo fenômeno “teto de vidro”, em que até enxerga o topo, mas não consegue atingi-lo. A expressão surgiu há 40 anos para explicar a dificuldade das americanas em ascender profissionalmente. Décadas depois, continua uma realidade. “A sensação que temos é de que as mulheres estacionaram”, diz a historiadora Mary Del Priore. “Como se já tivéssemos conquistado tudo o que podíamos.”

MINORIA NO TOPO
Nos Estados Unidos
apenas 1% dos CEOs é mulher

A dificuldade feminina de pedir aumento foi constatada recentemente por uma pesquisa da revista britânica “Grazia”. De acordo com o levantamento, 80% das inglesas se consideram mal pagas, mas dois terços delas nunca pediram aumento. Quem pediu confessa ter sido um dos momentos mais estressantes de sua vida. “Mulheres são educadas desde cedo para prestar atenção no outro, nunca falar alto nem pedir algo para si próprias”, justifica a americana Sara Laschever, autora do livro “Women Don’t Ask” (Mulheres Não Pedem) e “Ask For It” (Peça!). Resultado: a profissional que pede aumento é vista por suas companheiras como agressiva. “As mulheres confundem agressividade com assertividade, esta sim uma característica tipicamente masculina e superimportante no trabalho”, ressalta a psicóloga Mônica Portella.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Outra grande dificuldade feminina é promover o network, aquela poderosa rede de contatos que faz a diferença numa promoção ou recolocação profissional. Enquanto os homens têm um dom quase natural para a prática – atire a primeira pedra aquele que não participa de uma partida de futebol ou golfe com os colegas –, as mulheres costumam tachar esse tipo de relação de “interesseira”. “Elas são ótimas para fazer amigos no trabalho, mas não para construir uma rede de contatos profissionais”, concluiu Gail McGuire, pesquisadora da Universidade de Illinois (EUA), que conduziu um estudo com seis mil profissionais de uma empresa americana. Segundo ela, a mulher não cria uma rede poderosa porque está na base da pirâmide corporativa e não tem acesso a profissionais de níveis mais elevados que poderiam ajudá-la. A consultora Mônica Vitória conhece bem o poder de uma agenda. Graças aos contatos que estabeleceu, ela deixou para trás um emprego que lhe rendia R$ 1,6 mil mensais para abrir a sua própria empresa e faturar R$ 25 mil por mês. Tudo isso em apenas dois anos. “Fiz um cartão de visita e fui a uma feira em que os expositores tinham potencial para virar clientes”, diz. “Hoje, tenho uma agenda com 200 contatos.”

Além da maternidade, apontada como a principal razão para a desaceleração ou retirada da mulher do mercado de trabalho, há também questões culturais, como o sexismo e o machismo, barreiras muito mais difíceis de serem derrubadas, uma vez que estão arraigadas em homens e mulheres. Mestre em história pela Universidade de Brasília, Betina Stefanelli entrevistou físicas para investigar o que emperrava a ascensão profissional nesta que é uma das carreiras mais fechadas para o sexo feminino. Na física, características “masculinas” como a objetividade e o raciocínio linear são consideradas fundamentais para se produzir conhecimento científico. Em sua pesquisa, Betina constatou que, além do “teto de vidro”, há um “labirinto de cristal” que também dificulta a ascensão profissional da mulher. Ou seja, as barreiras não estão só no topo, mas em toda a trajetória da carreira feminina.

img1.jpg

Especialistas reconhecem que as dificuldades e o preconceito são uma realidade no ambiente profissional. Alguns, no entanto, acreditam que as mulheres perdem a guerra por não saber jogar. E não se trata de tornar-se um “homem de saias”, como se pregava no início do feminismo – e que definitivamente não deu certo. Hoje os estudiosos de gênero concordam que as mulheres devem crescer apoiadas em suas qualidades essencialmente femininas. Ser emocional, por exemplo, não é necessariamente um problema. “Os líderes emocionais, que se abrem e ouvem os seus seguidores, costumam ter trajetórias de sucesso”, diz Vilella da Matta, presidente da Sociedade Brasileira de Coaching. “Mas, na hora de uma reunião, a mulher que sofre pressão não pode chorar.” Na opinião de Vilella da Matta, falta à mulher aprender a competir. E o primeiro passo para isso é ter foco. “Ela deve saber qual é a sua prioridade”, diz. O empresário Juan Quirós, dono do Grupo Advento, de engenharia, concorda. À frente de mais de dez mil funcionários, ele elege como principal defeito feminino a incapacidade de definir prioridades. “É possível ter filhos e uma carreira de sucesso, mas é preciso saber privilegiar o que é mais importante em cada fase”, diz Quirós. Por outro lado, continua, as mulheres esbanjam qualidades, como comprometimento, lealdade, dedicação e suavidade no trato. Tanto que está nos planos do empresário o aumento da presença feminina nas duas extremidades de sua empresa, a diretoria e os canteiros de obras.

A engenheira Cristina Quillis, um de seus braços direitos no Grupo Advento, seguiu a cartilha dos especialistas em carreira e foi dedicada, seletiva e focada. Diretora de administração e finanças, ela faz parte da minoria que conseguiu romper o teto de vidro e está no topo. Aos 42 anos, reconhece que abriu mão da maternidade até agora porque priorizou a carreira. “Foi uma escolha meio inconsciente. Confesso que durante algum tempo eu sentia que, se engravidasse, me prejudicaria”, diz. “Mas, hoje, acho que é possível fazer tudo, é só uma questão de me organizar.” A boa notícia é que essa geração começa a desmontar dogmas. Carmem Miguellis, professora da Fundação Dom Cabral e especialista em cultura organizacional, garante que suas alunas de 20 anos já sabem negociar melhor cargos e salários. “Além disso, a divisão doméstica de tarefas entre homens e mulheres é cada vez mais natural, o que deve tirar um peso considerável das costas delas”, acredita Carmem. Será esse o começo da virada?

G_trabalho_mulhres.jpg


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias