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FANÁTICO
No deserto, Osama não dava água aos filhos.
Gotas eram administradas em caso de desmaio

Dois anos antes dos ataques terroristas às Torres Gêmeas em Nova York, no qual morreram três mil pessoas, a grande família Bin Laden estava precariamente instalada em Kandahar, no Afeganistão. Numa tarde quente de verão de 1999, o seu patriarca Osama, já líder da organização Al-Qaeda e armado com um rifle russo AK-47, reuniu os seus sete herdeiros em círculo e lhes disse: “Escutem, meus filhos, aqueles que quiserem dar sua vida ao Islã devem adicionar seus nomes à lista de voluntários que se encontra na mesquita para serem homens-bomba.” Fez-se um profundo silêncio, quebrado pelo caçula de 5 anos que se prontificou orgulhoso a integrar missões suicidas. Claro que o pai terrorista o vetou. Mas esse fato foi o estopim para que seu quarto filho, Omar, se convencesse que a obsessão não tinha limites e que ele precisava tirar de lá os seus irmãos pequenos e sua mãe, grávida pela décima primeira vez. É o próprio Omar quem narra essa e outras histórias sobre a convivência diária com Osama, que se tornou o terrorista mais procurado do mundo, no livro “Sob a Sombra do Terror” (BestSeller), da autora americana Jean Sasson. Além de Omar, sua mãe, Najwa, primeira das quatro esposas do saudita, dá um comovente testemunho de sua vida de cama, copa e cozinha ao lado do marido. E fornece contornos dramáticos ao sofrimento a que as mulheres muçulmanas se submetem em nome da fé religiosa e de uma cultura fortemente machista, mas também revela uma faceta mais íntima e pessoal de Osama. “Às vezes ele cantarolava, outras vezes era muito explosivo”, diz o filho. É a primeira vez que familiares do terrorista vêm a público contar a sua história. Segundo a autora, foi Omar quem entrou em contato com ela há cerca de dois anos: “A ideia foi dele, que cansou de ler nos jornais artigos falsos e fantasiosos sobre sua família”. Há trechos que não foram incluídos na obra como, por exemplo, o hábito de Bin Laden de sentar-se no chão, descalço e em posição de ioga: ele costuma apertar os dedos dos pés enquanto fala e depois leva as pontas dos dedos das mãos ao nariz.

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As entrevistas com a mulher de Osama e seu filho foram
feitas por fax, e-mail e telefone. “Era mais seguro para todos”, diz a autora

 
A comunicação entre a escritora e a família aconteceu por telefone, e-mail e fax. “Conversei com Najwa umas dez vezes e com Omar, diariamente. Sua mãe esteve sempre mais nervosa e apreensiva em colaborar, já que as mulheres muçulmanas não falam sobre a vida privada”, disse Jean à Istoé por e-mail. Najwa casou-se com Osama, seu primo em primeiro grau, aos 15 anos de idade. Ela o descreve como a pessoa mais séria e mais devota ao islamismo que já conhecera. O marido não admitia música, televisão, brinquedos, ventiladores, ar-condicionado e geladeira na imensa casa da família na Arábia Saudita. Remédios para asma também eram proibidos (Omar era asmático crônico). O patriarca tem conceitos rígidos sobre a virtude do homem e da mulher e submetia as crianças a duras experiências para lhes incutir noções estóicas de sobrevivência. Omar narra passeios que fez com os irmãos mais velhos ao lado do pai pelas montanhas de Tora Bora no deserto afegão, quando não lhe era permitido beber água. Algumas gotas eram concedidas apenas em caso de desmaio. Numa outra aventura da família, Osama levou todos para um acampamento no deserto. Era novamente um teste de sobrevivência em que o clã inteiro dormiu em buracos cavados no chão e usou a própria terra para se cobrir. A lembrança é de Najwa: “Ninguém protestou. Deitamos nossos corpos nas valas e esperamos o passar daquela longa noite.”

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“Nosso pai sempre alternou um jeito calmo
e a fala suave com momentos de explosão”
Omar Bin Laden

 

 

 

 

Leia trecho do primeiro capítulo de “Sob a Sombra do Terror”

Minha juventude
NAJWA BIN LADEN

Nem sempre fui a esposa de Osama bin Laden. Já fui uma criança inocente que sonhava sonhos de menina. Hoje em dia, meus pensamentos costumam voltar no tempo e recordo da menina que eu fui e da infância segura e feliz da qual desfrutei.
Muitas vezes, ouvi adultos falarem da infância com remorso, até mesmo com raiva, felizes por terem escapado dos anos em que eram mais novos. Para mim, esse tipo de conversa é chocante pois, se eu pudesse, regressaria para a primeira parte de minha vida e permaneceria uma menina para sempre. Eu morava com meus pais e irmãos em uma propriedade modesta na cidade portuária de Lataquia, na Síria. A costa da Síria é adorável, com brisas vindas do mar e com terras férteis nas quais fazendeiros afortunados cultivam frutas e vegetais. Nosso quintal era abundante em árvores verdes repletas de frutas deliciosas. Atrás de nossa estreita planície, podia-se ver as montanhas costeiras pitorescas com colinas aplainadas nas quais se cultivavam frutas e olivas.
Moravam sete pessoas na residência dos Ghanem, de modo que nosso lar era indiscutivelmente agitado. Eu era a segunda filha mais velha e tinha uma boa relação com meu irmão maior, Naji, e também com os mais novos, Leila, Nabeel e Ahmed. Havia também um meio-irmão, Ali, poucos anos mais velho do que nós, filhos de minha mãe. Meu pai fora casado diversas vezes antes de se casar com minha mãe, teve Ali com uma esposa anterior.
Meu irmão mais próximo era Naji, um ano mais velho do que eu.
Apesar de amá-lo profundamente, ele, assim como a maioria dos garotos, tinha um lado perverso que me causou muitos momentos de terror.
Por exemplo, nasci com medo de cobra. Um dia, Naji usou o dinheiro de sua mesada para ir ao mercado local e comprar uma cobra de plástico.
Depois, bateu muito educadamente na porta de meu quarto. Quando me pronunciei, ele deu um sorriso perverso e, de repente, jogou na minha mão o que pensei ser uma cobra viva. Meus gritos lancinantes preencheram toda a casa quando larguei a cobra, e corri tão rápido que poderiam pensar que eu estava voando.
Meu pai estava em casa e apressou-se em lidar com o tumulto, quase certo de que bandidos armados tinham vindo nos assassinar. Quando finalmente se deu conta de que minha histeria fora causada por Naji, que brandia com orgulho a cobra falsa, meu pai olhou severamente para meu irmão antes de começar a vociferar ameaças próprias de um pai.
Naji continuou sem demonstrar arrependimento, se sobrepondo aos gritos de nosso pai: “Najwa é uma covarde! Eu a estou ensinando a ser corajosa.”
Se fôssemos capazes de ver o futuro, quando cobras se tornariam visitantes rotineiras em meu lar na montanha no Afeganistão, talvez eu tivesse agradecido ao meu irmão.
Meu lugar preferido em nossa propriedade era a varanda do andar superior, local perfeito para uma menina escapar para a terra dos sonhos. Eu passava muitas encantadoras horas relaxando ali com algum livro favorito.
Geralmente, depois de ler alguns capítulos, eu usava um dedo para marcar a página e olhava para a rua abaixo de mim.
As casas na nossa vizinhança ficavam bem próximas entre si, com estabelecimentos
comerciais por todas as partes. Eu amava observar o tráfego movimentado de seres humanos apressados que passavam pela vizinhança, realizando suas tarefas diárias para então poderem se recolher aos seus lares para uma noite agradável, jantando e relaxando com suas famílias.
Muitas das famílias em nossa vizinhança vinham de outras terras.
A minha vinha do Iêmen, um país distante que, diziam, era espetacularmente belo. Nunca me disseram o motivo específico para nossos ancestrais terem partido de lá, mas tantas famílias iemenitas emigraram para os países próximos que se costuma dizer que o sangue iemenita corre por todo o mundo árabe. Mais provavelmente, fora a pobreza que levara nossos ancestrais iemenitas a vender seus animais de criação, a fechar seus lares,
a abandonar campos inóspitos e a deixar para sempre antigos amigos em cidades familiares.
Posso imaginar meus ancestrais sentados em seus lares, os homens correndo com suas adagas curvas, possivelmente mascando folhas da árvore khat, enquanto as mulheres, com os olhos negros realçados por kohl, escutavam em silêncio seus homens discutirem o desafio da terra ressecada ou de oportunidades perdidas. O velho comércio de incenso havia se extinguido, e as chuvas eram incertas demais para que fosse possível confiar em colheitas. Com pontadas de fome afligindo as pequenas barrigas de seus filhos, é provável que meus ancestrais tenham sido persuadidos a montar em camelos altos e a viajar ao longo de vales verdes cercados por altas montanhas marrons.
Quando chegaram na Síria, meus ancestrais estabeleceram seu lar no Mediterrâneo, na grande cidade portuária onde nasci e passei a infância.
Lataquia consta em textos de mais de dois mil anos atrás, descrita como tendo “construções admiráveis e um porto excelente”. Cercada pelo mar, de um lado, e por terras férteis, do outro, a cidade já foi muito cobiçada, e foi ocupada no processo por fenícios, gregos, romanos e otomanos. Como todas as cidades antigas, Lataquia foi destruída e reconstruída várias vezes.
Até me casar e viajar para Jidá, na Arábia Saudita, minhas experiências de vida eram limitadas ao meu lar, à escola, à minha cidade natal, Lataquia, e ao meu país, a Síria.
Eu era uma filha com orgulho dos meus pais. Quando tive idade suficiente para compreender o que as pessoas diziam ao meu redor, tomei consciência de conversas amigáveis sobre a beleza da minha família, tanto interior quanto exterior. Obviamente, eu ficava feliz por sermos respeitados por nosso bom caráter, mas meu orgulho de menina ficava particularmente satisfeito com as conversas sobre nossa boa aparência.
Meu pai trabalhava no comércio, um meio comum entre os homens árabes da região de se ganhar a vida. Eu nunca soube muito a respeito da rotina de meu pai, pois na minha cultura as filhas não acompanham os pais ao trabalho. Sei que ele era diligente, partindo de casa bem cedo e só retornando à noite. Seu esforço no trabalho assegurava uma vida abastada para sua família. Em retrospecto, acredito que meu pai tivesse uma fraqueza
pelas filhas. Ele era mais firme com meus irmãos, cujos modos impróprios às vezes faziam com que fosse necessário ficar alerta.
Minha mãe ficava em casa cuidando de nossas necessidades pessoais; era uma cozinheira talentosa e uma dona de casa obstinada. Com marido, três filhos e duas filhas, seu trabalho nunca tinha fim. Ela passava boa parte do dia na cozinha. Jamais me esquecerei das refeições maravilhosas que preparava para a família, começando com um café da manhã delicioso, com ovos, queijo, manteiga, mel com queijo cottage, pão e geleia.
Os almoços poderiam ser homus, feito de grão-de-bico e temperos, vários vegetais frescos do jardim, tomates e pepinos recém-colhidos, beringelas em conserva de menta recheadas com alho e nozes-pecã. As refeições noturnas eram servidas entre sete e oito da noite. Nossos olhos grandes eram muitas vezes cumprimentados por pratos do delicioso arroz com lentilhas de minha mãe, folhas de uva recheadas, okra e quibe, prato especialmente popular entre os árabes, que é basicamente carne de cordeiro moída com trigo para quibe, misturados com sal, pimenta, cebolas e outros temperos.