Não é por acaso que O ninho
da serpente
(Companhia das
Letras, 224 págs., R$ 37,50),
do cubano Pedro Juan Gutiérrez,
vem antecedido por um breve poema
de Charles Bukowski (1920-1994). O emérito bebum viveu de pequenos empregos até ser reconhecido como grande escritor. Gutiérrez também. Ele teve uma vida dura, sobrevivendo de pequenos bicos, alguns ilícitos, numa Cuba devastada por boicotes econômicos e anestesiada por um regime totalitário de esquerda. Para Gutiérrez restou o rum barato, música e sexo – muito sexo, antídoto para um irremediável sentimento de aniquilamento e niilismo tropical. Autor de petardos sórdidos como Trilogia suja de Havana, o cubano está de volta com sua tríade de sexo, rum e salsa num romance definido como “de formação”.

O ninho da serpente trata dos anos de iniciação – em todos os sentidos – de um ainda jovem Pedro Juan, personagem recorrente do escritor. O autor enfatiza tratar-se de uma obra de ficção com tipos imaginários. Mas é inevitável seu caráter autobiográfico. No início dos anos 60, com sua família de classe média mergulhada, como todos, num terrível declínio econômico, Pedro Juan revela-se um jovem rebelde, egocêntrico – como todo jovem –, que não sabe o que quer da vida. Segue a esmo uma trilha de descobertas de um país que, pelo menos a seus olhos, esconde sob o calor do sol um destino de decadência, insanidade e lirismo.

Pedro Juan, o personagem, dá vazão a seus desejos como um animal selvagem,
ao mesmo tempo que se alimenta de música erudita e do máximo de alta literatura que consegue ter acesso. O livro o acompanha até a idade adulta, como um sátiro desgarrado e insaciável. Nem a passagem pelo exército, dura, sofrida e didática, consegue domá-lo. Pedro Juan, personagem de O ninho da serpente, é um convincente projeto de transgressão que obviamente resulta no Gutiérrez escritor.
É a gênese de um autor de fluência jornalística, hábitos condenáveis e algum cinismo, que, sem tocar em política ou ser panfletário, retrata a Cuba dos desvalidos. Gente que, como ele, não quer saber se o socialismo é ruim ou bom, mas apenas se o rum é ruim ou bom. Por mais entorpecido que possa parecer, Gutiérrez ainda tem muita força para gritar.