chamada.jpg
GLOBALIZADO
Há casos em que o tratamento é realizado em mais de um país

O casal, ansioso, arruma as malas. O destino é a ilha de Chipre, no mar Mediterrâneo. Mas a viagem não é pelas belas praias. Marido e mulher podem até voltar para casa bronzeados, mas a intenção mesmo é retornar “grávidos”. São os chamados “turistas de fertilidade”, como é conhecido um crescente público – objeto de polêmica – que vai em busca de tratamentos para engravidar em países onde a doação (que, na maioria das vezes, é compra) de óvulos e espermatozoides é permitida. A legislação varia enormemente de nação para nação, o que favorece esse tipo de turismo. Em muitos países essa prática é dificultada ou até proibida, mas outros são uma espécie de paraíso fiscal, tamanha a liberdade, para quem não consegue conceber naturalmente. Como o Chipre, onde se estima que uma em cada 50 mulheres entre 18 e 30 anos venda seus óvulos a cada ano e é permitida a escolha do sexo do bebê.

Esses territórios com amarras mais frouxas atendem os mais variados públicos, de casais homossexuais a mulheres com menopausa precoce que podem realizar o sonho da maternidade com um óvulo cedido (ou comprado). No Brasil, isso não é tão simples, uma vez que é proibido negociar e a prática da doação não é usual. No Reino Unido, também é ilegal pagar por óvulos e isso faz com que a fila por doação possa levar dois anos. Quem tem dinheiro busca soluções mais rápidas em territórios onde a doação é quase livre de regras e, em média, dois meses depois, o bebê está a caminho.

Além do Chipre, Estados Unidos, África do Sul e Índia estão entre os destinos mais procurados por serem mais flexíveis. A Espanha é considerada o centro do “turismo de fertilidade” — mas mesmo lá, um país desenvolvido, muitas mulheres só “doam” por necessidade. Então, criou-se uma solução semântica: o pagamento é proibido, mas a “compensação”, não. Muitas doadoras recebem R$ 2 mil como “compensação” pelo tempo e energia investidos. “Não estamos estabelecendo um negócio, mas proporcionando um serviço para ajustar um processo natural que não está funcionando. Nossas margens de lucro são baixas. A maior parte do que cobramos vai para as partes envolvidas, como companhias aéreas, hotel, médicos e doadores”, disse à ISTOÉ David Sher, fundador e CEO da Elite IVF, clínica de fertilização com base na Suíça e escritórios e parceiros em vários países.

img.jpg
FRONTEIRA
O médico Isaac Yadid diz que o Brasil é procurado pelos angolanos

Cobram-se entre R$ 25 mil e R$ 32 mil pelo “pacote concepção” completo, que inclui viagem de ida e volta ao país no qual há doador de óvulo. A escolha do destino depende do motivo que levou o casal (ou mesmo um solteiro) a procurar tratamento no Exterior, uma vez que a legislação varia de um lugar para o outro. Alguns países, por exemplo, proí­bem que mulheres acima dos 40 anos se submetam a esse tipo de tratamento. O Brasil não exporta nem recebe esse tipo de “turista”, pois permite a doação de óvulos, mas não autoriza pagamento aos doadores. “A exceção são os angolanos. Mas eles procuram também outros serviços médicos no Brasil, como a cirurgia plástica. Isso está relacionado com a facilidade que eles têm aqui por conta do idioma”, explica Isaac Yadid, diretor do Huntington Centro de Medicina Reprodutiva, no Rio.

Há casos em que o tratamento é realizado em mais de um país. Por exemplo: o óvulo de uma mexicana pode ser inseminado no útero de uma barriga de aluguel americana, que dará à luz o filho de um casal gay israelense. Outro motivo de polêmica é o risco que as doadoras correm. Para estimular a produção de mais de um óvulo no mesmo mês, elas tomam injeções de hormônios – e podem sofrer inclusive a potencialmente fatal, embora rara, síndrome de hiperestimulação ovariana. A coleta dos óvulos, feita sob anestesia, também pode provocar sangramentos. Além disso, há o impacto psicológico, às vezes só sentido anos depois. Nos Estados Unidos, universitárias jovens e bonitas são atraídas por anúncios de até US$ 50 mil (R$ 86 mil). O receio é que, mais tarde, elas queiram conhecer o “filho” e sofram com esta impossibilidade. “Há muitas questões éticas. Algumas derivam do fato de que a doação é frequentemente anônima. Os filhos não terão a possibilidade de saber muito sobre os doadores nem contatá-los”, explicou à ISTOÉ  Lorraine Culley, professora de ciências sociais da universidade De Montfort, no Reino Unido.

G_fertilidade.jpg

A pesquisadora e socióloga britânica Naomi Pfeffer chegou a comparar esse comércio de óvulos à prostituição. “Essa relação de troca é análoga à entre um cliente e uma prostituta. É uma situação muito particular, em que uma mulher explora o corpo de outra mulher”, afirmou. “Isso transforma o corpo da mulher numa commodity (mercadoria) e trata suas capacidades reprodutivas como um serviço.” Por outro lado, trata-se de uma alternativa real para homens e mulheres com problemas de fertilidade. Como alcançar um equilíbrio? “Uma das maneiras de minimizar os danos seria fornecer toda a informação possível para os envolvidos. Adotar um sistema regulatório forte, como no Reino Unido, poderia ajudar também”, sugere Lorraine Culley.