Entre as duas mil peças do figurino de  A escrava Isaura, novo folhetim da Rede Record, com estréia prevista para a segunda-feira 18, às 18h45, as chamadas saia-balão, com seu rodado de inúmeras pregas, são ao mesmo tempo motivo de orgulho e de reclamação do elenco feminino. Orgulho porque, se comparadas às peças usadas por Lucélia Santos na versão global de 1976, as saias de Bianca Rinaldi – a ex-paquita escolhida pelo diretor Herval Rossano para viver a escrava branca, educada na casa-grande – trazem um rodado mais generoso e fiel à época enfocada pelo autor Bernardo Guimarães. No esforço de criar um padrão Record de qualidade, o farfalhar dos linhos, cetins e veludos é um signo a ser considerado. A parte do sacrifício diz respeito ao desconforto em usar a vestimenta, que, somada às calçolas, saiotes e cintas, chega a pesar 20 quilos. Para manter a estrutura em equilíbrio, é preciso enfiar na cintura uma armação chamada crinolina. Antigamente, explica o figurinista Cesar Dante, um dos inúmeros profissionais que a Record desfalcou da Rede Globo, ela era feita de barbatana animal, bambus e ferro. Agora, foi improvisada com fitas de aço, pesando entre três e quatro quilos.

A armação permite que a saia se infle até um diâmetro de 1,20 metro. Imagine, então, a dor de cabeça que tem sido para as atrizes lembrar o texto e passear entre cadeiras, aparadores e prateleiras sem causar estrago na cenografia e na banda sonora. Na sexta-feira 8, enquanto Bianca gravava, no estúdio M, na Barra Funda, em São Paulo, a cena 34 do capítulo 21, o temido aconteceu. Não com a protagonista, mas com Maria Ribeiro, que interpreta Malvina, a mulher do vilão Leôncio, agora encarnado por Leopoldo Pacheco. A cena se passa na cozinha da casa do comendador Almeida, vivido por Rubens de Falco, o antigo vilão no folhetim global. Malvina se queixa a Isaura de que Leôncio só tem olhos para a escrava. No embalo, ao se aproximar de uma cadeira, seu lamento de sinhazinha é interrompido pelo ruído do móvel, jogado para longe sob o peso dos frufrus. No segundo esbarrão, Maria pede a Rossano que mude a marcação. “É foda puxar essa cadeira. Posso sentar antes, enquanto ela fala?” Pedido atendido, mal sabia a atriz que o constrangimento aconteceria horas depois, na cena em que agride com panelas e louças o marido Leôncio. Desta vez, um paneleiro completo é que foi abaixo.

As quedas repentinas não causam nenhum sobressalto no tarimbado Herval Rossano, também diretor da novela global, exibida em 79 países e durante muito tempo a mais vendida da Rede Globo. Antes de cada cena, ele passa o texto com os atores e – não se sabe se por experiência ou urgência na gravação – como um enxadrista define as posições das quatro câmeras digitais Ikegami HD, o máximo em tecnologia televisiva. “Câmera 4 ali, câmera 2 aqui, câmera 3 ali e câmera 1 aqui”, ordena como general, antes de abandonar o estúdio e se dirigir ao switcher, de onde comanda a equipe pelo ponto eletrônico. Ele faz questão de lembrar que
A escrava Isaura atual não difere da outra apenas pela presença do artigo no título. “Esta é baseada exclusivamente no livro. A outra era pouco livro e muito Gilberto Braga (autor do texto)”, explica. A julgar pela avaliação que hoje faz do trabalho anterior, a refilmagem – aventada no passado pela própria Rede Globo – não era só urgente, mas necessária. “Não me lembro de Escrava Isaura. É a novela de que menos gosto, prefiro Maria, Maria”, afirma Rossano, que, no entanto, está utilizando Retirantes, de Dorival Caymmi, o mesmo tema usado pela Globo. “Ela não tem qualidade. Usamos um equipamento inferior. Nos Estados Unidos, eles até perguntaram se a noite brasileira era azul. Puro erro de fotometria.”

Segundo Rossano, além das melhorias técnicas – que fizeram cada capítulo custar R$ 250 mil –, outras estão sendo postas em ação, especialmente em relação ao estilo de interpretação. Mesmo assim, os atores tiveram dificuldade em alguns diálogos mais castiços. Na cena em que é assediada pelo impulsivo Henrique (Gabriel Gracindo), cunhado de Leôncio, Bianca trocou a palavra arroubo por um “quase” palavrão, motivo de riso geral da equipe técnica. Experiente ator teatral, Leopoldo Pacheco esbarrou várias vezes na fala em que repreende o mesmo Henrique, flagrado roubando um beijo de Isaura. “Até parece um fauno, um sátiro agarrando a ninfa”, disse, por fim, na cena de ciúme, que não fica em nada a dever aos acessos do Leôncio do passado.