Antes mesmo do computador ser uma realidade em nossas vidas, o artista holandês Maurits Cornelis Escher, conhecido como MC Escher (1898-1972), tornou-se um dos artistas gráficos mais famosos do mundo. Sua arte nos apresentou as três dimensões (3D), criando “imagens mentais” que iam muito além da matemática, da ciência e da física. Escher era capaz de inventar imagens potentes com apelo quase universal – algo, certamente, ao qual a maioria dos artistas plásticos aspiraria. Em uma época em que a arte abstrata dominava as galerias, Escher enganou a todos explorando ideias abstratas como eternidade, infinito e o impossível em gravuras aparentemente realistas que eram incrivelmente bem-feitas. À medida que o público em geral perdia o contato com o mundo da arte, as gravuras de Escher pareciam simples e fáceis de entender. Ele dizia: “Adoramos o caos porque adoramos produzir ordem”.

Fico impressionada com a quantidade de pessoas que já viu pelo menos um de seus trabalhos e, ao mesmo tempo, com o desconhecimento da maioria sobre seu nome. Talvez isso se dê porque a maior parte de suas obras faz parte da coleção particular de Michael S. Sachs, um ex-psicólogo de Connecticut (EUA), que adquiriu 90% das obras de Escher durante o espólio do artista em 1980 por apenas de US$ 1 milhão. Sem dúvida, a arte ilusionista de MC Escher tem sido ignorada há muito tempo devido ao seu apelo de massa. Uma nova exposição nos Estados Unidos espera corrigir isso. O colecionador Sachs, agora com 84 anos, disponibilizou seu acervo para a maior retrospectiva do artista, que acontece no Museu de Belas Artes de Houston até 5 de setembro, data do meu aniversário (risos!).

Admirar uma obra de Escher é como estar dentro de uma viagem psicodélica. Quando olhamos para um ponto do desenho, imediatamente nossos olhos se movem para outro ponto, e assim vai até que toda a imagem seja examinada. Nessa jornada, passamos por momentos distintos, como se a visão estivesse nítida e, no momento seguinte, sem foco. A respiração fica suspensa para conseguirmos entender as estruturas impossíveis criadas por Escher, mas o fato é que não é fácil perceber a inconsistência tridimensional de suas obras, pois o processo de remontagem não leva em conta a relação espacial entre as subimagens. A incongruência espacial desafia a nossa atenção, confirmando a percepção inicial de que realmente estamos diante de algo realmente genial.

As litografias de Escher desafiam nossos conceitos sobre o mundo real por terem uma estrutura impossível e que nos dá a impressão de um objeto tridimensional, mas com propriedades geométricas enganosas e partes não conectáveis espacialmente. Com tantas características, as obras apelam para o nosso intelecto e desafiam nossas capacidades perceptivas.

Considerado um ‘movimento artístico de um homem só’, ele começou a fazer sucesso na década de 60, quando suas obras de ilusão de ótica começaram a ter grande apelo popular após Mick Jagger tentar –e não conseguir– obter autorização para usar um desenho de Escher para ilustrar a capa de um disco do Rolling Stones. A coluna de hoje prestigia esse importante artista holandês, cujas obras abriram nossos olhos para a terceira dimensão, muito antes da tecnologia permitir isso. Acompanhem 10 curiosidades sobre o primeiro artista 3D do mundo:

1- A arte já estava presente na infância – MC Escher nasceu em Leeuwarden, uma charmosa cidade que fica ao norte da Holanda, a uma hora e meia de Amsterdã. Como filho caçula, era uma criança doente e foi colocado numa escola especial, com sete anos de idade. Ele acompanhou a mudança de sua família para Arnhem, onde ele passa a maior parte de sua juventude. Teve muitas notas baixas e, décadas depois do “inferno que era Arnhem”, como Escher descreveu mais tarde seus tempos de criança, fez uma série de trabalhos com versões da dramática escadaria da escola, que ele havia subido com tanta frequência quando menino, muitas vezes rumo à sala do diretor.

2- Coração italiano – Estudou na Escola de Arquitetura e Artes Decorativas por apenas uma semana porque abandonou as aulas de arquitetura para se concentrar nas artes gráficas. Depois de completar a escola, viaja por um longo período pela Itália (Florença, San Gimignano, Volterra, Siena e Ravello) e Espanha (Madrid, Toledo e Granada). Ficou impressionado com o campo italiano e com Alhambra (Granada), onde possui um magnífico castelo mouro do século XIV. Os desenhos decorativos de Alhambra, baseados em simetrias geométricas, foram uma importante influência para Escher. Conheceu Jetta Umiker nesta viagem, com que se casa em 1924. O casal escolheu Roma para viver, mas com a pressão política daqueles tempos de Mussolini, muda-se para Chateau-d’Oex, na Suíça, onde produziu 62 dos 137 desenhos simétricos que fez em sua vida. A Itália influenciou demais se trabalho e foi onde produziu obras primas como a litografia de Castrovalva, em que já mostra seu fascínio pela perspectiva: perto, longe, alto e baixo. Quando Escher deixa a Itália em 1936, a paisagem italiana do pré-guerra era bem diferente da paisagem que era fonte de inspiração, obrigando-o a voltar-se para o seu eu interior.

3- Ele nunca foi um bom aluno – MC Escher nunca foi um bom aluno e seu conhecimento matemático formal era restrito ao que era ensinado na escola. Apesar dessa deficiência teórica, a matemática e a geometria são elementos fundamentais de seu trabalho. A sua curiosidade e capacidade de criar imagens em 3D (Três dimensões) transformaram seus desenhos em verdadeiras obras de arte. Muitos estudos matemáticos e computadorizados tentaram decifrar seu processo criativo, mas o próprio Escher dizia que não compreendia todos os conceitos e que trabalhava de forma intuitiva.

 4- Correção de imperfeições – Escher era tão bom no que fazia que começou a explorar erros de perspectiva em estruturas que, à primeira vista, pareciam corretas. Um olhar mais de perto mostravam que eram impossíveis de serem criadas na realidade. A complexidade de seu trabalho era tanta que, em 1954, suas gravuras foram exibidas no Congresso Internacional de Matemáticos de Amsterdã. A partir deste momento, manteve diálogo com vários matemáticos e especialistas que, de certa forma, inspiravam suas composições impossíveis, suas ilusões de ótica e suas representações do infinito.

5- Arte do impossível – Ele é famoso por seus chamados desenhos impossíveis, como Ascendente e Descendente e Relatividade, mas também por suas metamorfoses, como Metamorfose I, II e III, Ar e Água I e Répteis. Durante sua vida, Escher fez 448 litografias e xilogravuras, além de mais de 2.000 desenhos e esboços. Produziu também ilustrações para livros, desenhos de tapetes, imagens para cédulas e selos, murais, painéis e muito mais.

 6- Canhoto – Escher é canhoto, assim como outros artistas renomados como Michelangelo e Leonardo da Vinci. Ele brinca com arquitetura, perspectiva e espaços impossíveis. Sua arte continua a surpreender e maravilhar milhões de pessoas ao redor do mundo. Em seu trabalho reconhecemos sua excelente observação do mundo ao nosso redor e a expressão de sua própria fantasia. MC Escher nos mostra que a realidade é maravilhosa, compreensível e fascinante.

7- Autodisciplina – Escher gostava de observar a natureza, o céu e os pássaros. Ele adorava música clássica, especialmente Bach. Ele tinha uma rotina diária severa, misturando trabalho, caminhada e encontros com visitantes. Apesar da autodisciplina, Escher só conseguiu se sustentar apenas com a arte no final dos seus cinquenta anos. A essa altura, ele havia descoberto seu principal tema de mundos desfiguradores de perspectiva, familiar em obras como Belvedere (1958), Ascendente e Descendente (1960), Cachoeira (1961) e Relatividade (1953), uma série de cinco gravuras com construções impossíveis e múltiplos pontos de fuga, amplamente reproduzida no mundo em cartazes, canecas, camisetas e itens diversos. Com Escher, por trás de uma imagem familiar sempre há uma figura misteriosa.

8- Composição infinita – Escher criou obras com efeitos de ilusões de ótica, muito antes do computador conseguir fazer isso. A partir de uma malha de polígonos, regulares ou não, o artista fazia mudanças sem alterar a área do polígono original. Assim surgiam imagens de homens, peixes, aves e lagartos, representados num plano bidimensional. Embora o artista seja mais conhecido por suas gravuras, e pelo fato de ter explorado vários processos de impressão, incluindo litografia, seus trabalhos mais destacados são as xilogravuras. Escher brincava com o fato de ter que representar o espaço, que é tridimensional, num plano bidimensional, como a folha de papel. Com isto criava figuras impossíveis, representações distorcidas e paradoxais.

9- Negou capa para os Rolling Stones – Nos anos 60, o trabalho de Escher encontrou popularidade no mainstream, já que os hippies se deliciavam com suas qualidades supostamente psicodélicas. Escher não aceitou convite de Mick Jagger para fornecer uma imagem para o álbum ‘Through The Past Darkly’. Provavelmente, esse momento foi um dos poucos que Jagger ouviu a palavra “não” em resposta a qualquer um de seus pedidos. Vale comentar que Escher era uma pessoa decidida. Não era fã dos Stones e preferia música clássica. Ele tinha humor e era irônico. Era também criador de um movimento de arte de um homem só, pois, embora tenha criado algo absolutamente novo, não conseguiu influenciar diretamente nenhum artista devido à alta complexidade de seu trabalho. Porém, a influência de Escher não é apenas nas artes visuais. Seu trabalho está presente em nossas vidas de tantas maneiras diferentes, incluindo em gráficos e em videogames.

10 -Matemática na arte – Escher foi considerado o grande matemático geométrico do mundo das artes. Suas obras são enigmáticas e prendem o olhar de quem as observa, dando a sensação de estarmos diante de algo não real. A obra Print Gallery, por exemplo, Escher desafia as leis da perspectiva criando uma repetição infinita e distorcida para a qual não tinha meios nem cálculos para completar. Especialistas dizem que o artista holandês tentou fazer uma expansão circular contínua na forma de um anel fechado, sem começo nem fim. Assim, na distorção de Escher, o tamanho dos quadrados da grade crescia à medida que se deslocavam do centro para fora e diminuíam na direção oposta, criando uma espécie de rodamoinho. O desenho mostra um jovem dentro de uma galeria de arte olhando para uma foto de um porto marítimo de Malta. Entre os prédios da pintura, aparece a galeria de arte na qual o jovem está de pé. O jovem aparece novamente olhando para um quadro desse mesmo cais mediterrâneo, e assim por diante. Escher distorce essa repetição sem fim, criando formas impossíveis. O impacto da obra seria perfeito não fosse uma pequena mancha circular branca no centro da imagem. Entre os edifícios de estilo mediterrâneo e as janelas da galeria, Escher carimbou sua assinatura nesse ponto branco. A litografia foi finalizada em 1956. Foram necessários quase cinquenta anos para que um matemático da Universidade de Leiden, na Holanda, conseguisse concluir o trabalho. Outros estudiosos, como o matemático britânico Roger Penrose, eram fascinados pelo artista, considerado o grande visualizador de conceitos científicos. O curioso é que a resposta sempre esteve nas próprias obras: Escher era um gênio, dentro de um gênio, dentro de um gênio…

O trabalho de Escher gerou 319 exposições em dezenas de países. Talvez Escher seja excluído dos livros de história da arte porque não se via da mesma forma que muitos artistas modernos. Verdade seja dita, boa parte de seu trabalho pode ser considerada ilustração matemática, mas quem disse que a arte precisa ser igual para fazer sentido? Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre arte para me contar, aguardo contato pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.