Foi em um parque de Chicago que eu vi a escultura mais impressionante da minha vida. Ela era enorme, prateada e parecida um feijão gigante. Ao chegar perto, pude entrar na cavidade central e fui transportada para uma outra dimensão. Para minha surpresa, a escultura refletiu meu corpo e pude me ver simultaneamente de frente, de costas e de cima. Depois daquela experiência, fui ver o nome do artista em uma plaquinha: Anish Kapoor. Seu trabalho já era bem comentado no mercado de arte desde os anos 80, mas com essa escultura ele definitivamente carimbou seu nome no topo da lista entre os escultores contemporâneos mais influentes da atualidade.

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Seu trabalho funde as tradições culturais orientais e ocidentais, evocando paixões, crenças e experiências espirituais. Descendente de judeus iraquianos e de indianos, nasceu em 1954 em Bombaim (ou Mumbai), a mais famosa e populosa cidade da Índia. Aos 17 anos, largou um kibutz de Israel e conseguiu se mudar para a Inglaterra, onde estudou no Hornsey College of Art e na Chelsea School of Design. Em 1980, fez uma exposição na Galeria Patrice Alexandre (Paris) que o apresentou ao mercado de arte e apenas dois anos depois, a partir de uma mostra na Walker Art Gallery (Liverpool – 1982), já ganhou relevância internacional.

Acompanhe 10 curiosidades sobre este artista para descobrir como ele transforma ideias em incríveis esculturas de grandes dimensões:

1 – Ele começou a carreira como pintor – Anish Kapoor se apresenta como um pintor que se tornou escultor. Ele começou sua produção artística pela pintura, influenciado por artistas como Jackson Pollock. Por isso, mesmo tendo mudado logo para a escultura, a pintura sempre esteve presente em suas obras, que exploram a tridimensionalidade para ampliar os princípios de superfícies e da visão ilusória, assim como acontece com a pintura. Suas obras exploram a dualidade de formas, entre o positivo e o negativo, entre luz e sombra, e entre material e imaterial. Suas obras são simples, com curvas e cores primárias brilhantes para despertar os sentidos e chamar mais a atenção do público. As cores são uma inspiração vinda dos templos indianos.

2- Reconhecimento – Em 1990, representou a Inglaterra na 44ª edição da Bienal de Veneza, ganhando o Prêmio Duemila. No ano seguinte, recebeu o Turner Prize. Suas obras estão nos mais renomados museus do mundo, como MoMa (Nova Iorque), Tate Modern (Londres), Fondazione Prada (Milão), Guggenheim (Bilbao), De Pont Fundation (Países Baixos) e no Museu de Arte Contemporânea (Japão).

3- Grandes dimensões – Kapoor tem produzido várias obras gigantes, incluindo “Taratantara” (1999), uma obra de 35 metros instalada no Gateshead (Inglaterra) e “Marsyas” (2002), um trabalho de aço e PVC instalado em Turbine Hall da Tate Modern. Instalou em um lago em Lodingen (Noruega) um arco de pedra e criou “Parabolic Waters (2000), uma rápida rotação de água colorida mostrada do lado de fora do Millennium Dome, em Londres. Em 2001, “Sky Mirror” refletia o céu de Nottingham. Em 2004, “Cloud Gate”, uma escultura de aço inoxidável de 110 toneladas, foi produzida em homenagem às vítimas inglesas no atentado de 11 de setembro em Nova Iorque.  Em 2011, anunciou “Leviathan” no Grand Palais (Paris), uma monumental escultura inflável de 35 metros de altura, que permitia às pessoas caminharem por dentro da obra que gerava ansiedade por ser despressurizada em seu interior.

4- Edifício de Nova Iorque – No bairro de Tribeca (Nova York), Anish Kapoor instalou uma escultura na base do prédio ‘56 Leonard St’, uma torre residencial projetada pelo escritório suíço Herzog & de Meuron com várias residências personalizadas em lajes deslocadas e com dimensões variadas. A escultura parece um balão esmagado na base da torre de 60 pavimentos. A obra pesa 40 toneladas.

5- Redemoinho no Rio Sena – “Descension” é um grande redemoinho, criado pela primeira vez para a Bienal Kochi-Muziris da Índia (2014) e, em seguida, foi construído em Versalhes (2016). Todas as vezes que foi exposta, a obra causou a mesma sensação de um puxão para baixo, rumo a um interior desconhecido. Na versão criada para a França não poderia ser diferente. Anish Kapoor tornou o Rio Sena (Paris) em um grande redemoinho a pedido do Nuit Blanche de 2016, que desejava apresentar a obra 000juntamente com outros 40 projetos artísticos espalhados pelo rio. “Descension” tinha muito a ver com o tempo e com nossos sentimentos mais sombrios como medo e emoções indesejadas. Mostrava um ralo em um turbilhão sem fim, fazendo com que todos os expectadores refletissem sobre o tema. Para colocar esse redemoinho no meio do rio, foi construída uma enorme escultura de aço, que ficou instalada abaixo do nível de água, com seu motor subaquático giratório. A sensação para quem olhava era que o rio inteiro estava correndo para aquele epicentro artificial.

6- Espelho em Nova Iorque – Kapoor virou o mundo de cabeça para baixo com “Sky Mirror”, obra instalada no centro de Manhattan. Uma escultura de aço inoxidável polido, parecida com um enorme prato côncavo com seis metros de largura, funcionava como um espelho com visão panorâmica da cidade. A obra gerou muita interação, pois todos tentavam se ver refletidos e acompanhar as distorções que surgiam a cada novo movimento. “Sky Mirror” também gerou uma profunda reflexão sobre realidade e a permanência da vida, dois temas super pertinentes inclusive nos dias de hoje, com a Covid-19. A escultura virou uma série e foi encomendada também pelo Nottingham Playhouse (Inglaterra) e, em 2006, ele construiu um colossal “Sky Mirror” de dez metros de largura no Rockefeller Center em Nova York. Não consegui confirmar certinho no museu se minha memória está funcionando bem, mas acho que o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro tem dois pequenos exemplares de “Sky Mirror” em seu acervo. A última vez que visitei o museu, me diverti bastante na frente das obras.

7- Londres – A Tate Modern em Londres ganhou “Marsyas”, uma escultura de 150 metros de comprimento e com uma altura equivalente a 10 andares de um prédio. A obra de arte gigante foi a terceira de uma série de encomendas para o Tate’s Turbine Hall e a primeira a fazer uso de todo o espaço. Inspirada na mitologia grega, “Marsyas” foi criada a partir da imagem de um instrumento de flauta duplo conhecido como aulos. Com esse mote, a obra era uma estrutura gigante de PVC vermelha com aço que tinha a forma de um imenso trompete. Assim como a música alta exige atenção, a enorme escultura vermelha de Kapoor podia ser vista de longe tanto pela cor como pelo tamanho. Kapoor explorou mesmo as possibilidades para criar uma obra diferenciada, que só fez sentido naquele contexto por causa de suas caraterísticas gigantescas.

8- Canhão – Imagine um bolo de tinta sendo atirado a 80 quilômetros por hora. Para chocar o público e deixar uma marca violenta, Kapoor criou “Shooting Into the Corner”, uma espécie de compressor pneumático construído para se parecer com um canhão. A obra era capaz de atirar grande bolas de cera vermelha a 80 quilômetros por hora, dentro de uma sala preparada para receber visitantes em intervalos de 20 minutos. Os resíduos de cera vermelha evocam a ideia de carne humana e a cada tiro a tinta escorria pelas paredes do local. A cena fazia com que os espectadores refletissem sobre os conflitos mundiais, do passado e do presente. Sem dúvida, como o próprio Kapoor dizia “a jornada de um artista é um caminho de descobertas”.

9- Materiais – Kapoor sempre foi introspectivo, mas essa caraterística nunca o segurou nas escolhas de materiais exóticos, como mármore rosa ou ‘ventablack’, um pigmento que absorve toda a luz que o atinge, ficando mais escuro que o buraco negro. Essa caraterística trouxe um leque de possibilidades para seu trabalho a ponto de o artista sair correndo para obter os direitos exclusivos do uso do material em suas obras. A comunidade artística mundial continua reclamando disso e o classificando como o artista monopolizador que tenta esconder a nova dinamite do mundo da arte. Teremos muitos novos capítulos desse tema nos próximos anos.

10 – O “Feijão de Chicago” – Em 1990, quando o governo de Chicago decidiu criar o Millennium Park para comemorar o terceiro Milênio, vários artistas foram chamados para apresentar seus trabalhos para ter uma grande escultura no local. Anish Kapoor teve seu projeto selecionado e trabalhou quatro anos na produção de “Cloud Gate”, uma das esculturas mais impressionantes do mundo. Como a primeira grande obra de Kapoor criada para ficar ao ar livre, “Cloud Gate” tornou-se um dos principais símbolos de Chicago, sendo, portanto, um dos mais fotografados. Ganhou também um apelido: o “Feijão de Chicago”.

A inspiração surgiu a partir da textura do mercúrio e o desenho inicial de Kapoor já tinha a possibilidade de permitir que as pessoas entrassem na obra para ver seus corpos refletindo em diversos ângulos.  Especialistas dizem que a visão de Albert Einstein de um mundo não tridimensional inspirou Kapoor para o tema da ambiguidade e para a possibilidade de ter as pessoas “presas” na obra, que tem uma tensão entre feminino e masculino por refletir imagens na forma côncava.

A obra é maciça e mede 20 metros de comprimento e 10 metros de altura, além de apresentar um arco de 3,6 metros de altura em sua base. É composta por 168 placas de aço inoxidável que foram perfeitamente soldadas para criar a ilusão de uma única escultura. Os visitantes são incentivados a caminhar ao redor e por baixo da escultura para observar como ela deforma o reflexo de si próprios e do ambiente. A arte de Kapoor não seria a mesma sem a participação dos espectadores. “Em grande parte, todo o trabalho está incompleto”, diz o artista, destacando que é a interação com o público que as obras realmente completas. Dizem que a garantia do fabricante das peças que formaram a escultura “Cloud Gate” vai até o ano de 3006. Se isso for verdade, será a única obra de arte já criada para o próximo milênio, independente do tempo ou dos vírus que podem atacar o planeta.

Pelo conjunto de seu trabalho, Anish Kapoor é um dos artistas mais bem pagos do mundo. Por 49 obras, conseguiu  um total de 12,284 milhões de euros. Sua jornada de criar esculturas  para o público continua e pelo jeito muitas pessoas ainda vão viver experiências inesquecíveis como as que eu tive quando interagi pela primeira vez com uma de suas invenções. Espero poder viajar logo para poder sentir novamente muita emoção com suas obras. Se tiver uma boa história para compartilhar, por favor lembre de mim. Aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.