Candido Portinari é um dos mais célebres pintores do século XX, além de ser ícone do modernismo brasileiro. Da infância humilde, nos cafezais do interior de São Paulo, ao reconhecimento mundial, o pintor ganha uma exposição especial em São Paulo, produzida pelo MIS Experience, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo. “Portinari Para todos” é a maior mostra já feita sobre a vida e a obra de Portinari e faz parte das celebrações do centenário da Semana de Arte Moderna.
Centenas de obras estão apresentadas digitalmente em grandes telões, retratos importantes estão expostos, assim como uma série de objetos pessoais. Uma grande maquete mostra todos os prédios e monumentos que possuem obras de Portinari ao redor do mundo e crianças podem recriar as obras do artista com uso de painéis eletrônicos.
A exposição é fruto do sonho e do empenho de muitas pessoas e empresas. Sem dúvida, nesse universo, João Candido Portinari, filho do artista e fundador do Projeto Portinari, tem um papel muito importante. Visitei a exposição acompanhada por ele para conhecer um pouco mais da obra e da vida de seu pai. A partir de seu relato, preparei a coluna de hoje, contando 10 curiosidades sobre a exposição de um dos mais importantes pintores brasileiros:
1- Projeto de décadas e inspiração na ISTOÉ: O Projeto Portinari tem 43 anos. Reúne 30 mil documentos, que incluem mais de 5 mil documentos de obras; 12 mil recortes de jornais de 1920 até hoje; 6 mil cartas que Portinari trocou com seus contemporâneos; 1.200 fotografias de época; 130 horas áudios gravados. Quando o projeto ainda estava engatinhando, no início dos anos 80, surgia no Brasil uma ânsia de resgate de nossa identidade. Existia um chamamento popular pelo Brasil todo em todas as áreas para resgatar a identidade do brasileiro. Segundo João Portinari, filho do artista, quando a fundação começou, existiam poucas iniciativas semelhantes ao projeto. Tiveram que sair do zero, de forma rudimentar, procurando por informações e por obras para catalogar. Ele lembra que uma capa da revista Isto É foi marcante. Mostrava os contornos de um rosto de uma pessoa, sem olhos, sem boca e sem nariz. Trazia apenas o título “Cadê a Nossa Cara? Foi a busca pela identidade cultural. Nesse momento, surgiram muitos projetos com essa tônica da busca pela identidade do Brasil e pela reflexão de sua trajetória e importância. João Portinari conta que essa capa da revista ISTOÉ sempre esteve presente nas diversas palestras e lives que ele fez ao longo das últimas décadas e, inclusive, foi motivo de um post recente. Quando estava trabalhando para criar a exposição, João resgatou novamente a capa da ISTOÉ e fez um post nas redes sociais destacando que as respostas para esse questionamento estariam na exposição “Portinari para Todos”. Muito interessante ver como realmente somos impactados por questionamentos e como essa reflexão ajuda na construção de uma nova história. Sem dúvida, João é um vencedor ao mostrar as diversas facetas do trabalho de seu pai, explorando a tecnologia e os diversos ambientes da exposição de uma maneira muito criativa e especial.
2- Mulheres: As mulheres tiveram uma enorme importância na vida de Portinari. Conheceu sua mulher em um restaurante de Paris, onde ela trabalhava em 1929. Se apaixonaram loucamente e viveram juntos por décadas. Maria Martinelli (1921-2006) era uma uruguaia, poliglota, que dedicou a vida para cuidar de Portinari, permitindo que ele só se preocupasse com sua pintura. Ela era o “braço forte de sua vida” e responsável por criar uma atmosfera de hospitalidade que chamava para sua casa importantes artistas e personalidades de sua época. Ele foi um dos primeiros artistas do Brasil a viver exclusivamente de pintura. Quase todos os artistas da geração dele ou eram funcionários públicos, ou eram casados com mulheres ricas. Não havia mercado de arte. Sem Maria, Portinari não seria o artista que conhecemos hoje e graças a ela seu legado foi criado e mantido.
3- Muito trabalho: Portinari é um dos artistas mundiais que mais produziu obras ao longo da vida. Criou 5.400 pinturas. Essa incrível capacidade que ele tinha para a arte foi eternizada pelos filhos, que fizeram uma escultura exata de bronze com suas mãos. Com isso, é bem emocionante ver na exposição o contorno, a espessura e o tamanho dos seus dedos. Sua facilidade de conversar fazia com que fosse querido por todos e ele cultivava amizades com as figuras mais ilustres de sua época. Uma grande parte desses amigos acabou sendo retratada por ele como Vinicius de Moraes, Antonio Callado, Jorge Amado, Manuel bandeira, Mário de Andrade, Pagu, Olga Benário Prestes, Luiz Carlos Prestes e Carlos Drummond de Andrade. O modelo Newton Rodrigues foi quem inspirou obras famosas como ‘O Mestiço’ (1934). Ele trabalhava como moldureiro e nas horas vagas posava para o artista. João Cândido Portinari foi seu único filho e dedicou a ele muitos retratos e versos
4- Uma obra para o Brasil: Portinari retrata muito o povo brasileiro em sua obra. Ele dizia que sua pintura mostrava o brasileiro nascendo, sofrendo, trabalhando, festejando em casa e nas ruas com suas roupas e sores, sacando, cantando, chorando, enterrando e morrendo.
5- Em grande estilo: Para Portinari, o ato de pintar exigia dedicação e seriedade. Por isso, ele não era um artista boêmio ou irresponsável. Fazia questão de um ambiente limpo e organizado, apesar de sempre ter tido ateliês pequenos (geralmente de cerca de 10 metros quadrados). Portinari trabalhava quase que de forma ininterrupta na produção de milhares de quadros, mas estava sempre super arrumado. Na exposição, há fotos dele de terno, colete e sapato de couro. Seu estilo inconfundível tinha até um item adicional: era comum usar sapatos de duas cores (branco e marrom), considerado o máximo da elegância na época.
6- Sem escola, mas muito inteligente: Filho de uma família de imigrantes italianos, teve uma infância difícil, dividindo o que tinha com seus irmãos. Essa fase da vida é muito presente em sua obra. Ele dizia que “a paisagem onde brincamos pela primeira vez não sai mais da gente”. Por conta dessa escassez, estudo apenas até o primário. Mesmo com essa limitação, sua inteligência era muito acima da média e sua sensibilidade também. Além de pintor, foi poeta. Para sua neta produziu 16 retratos em menos de dois anos e escreveu: “a lua veio chegando e para mim disse: acorda rapaz é avô”.
7- Grandes painéis: Portinari é um dos artistas responsáveis pelos maiores painéis de arte brasileira. A pintura do Palácio de Capanema, por exemplo, demorou oito anos para ser concluído. Painéis Guerra e Paz, produzidos para ONU, representam o melhor trabalho que Portinari fez e ele os dedicou à humanidade. Portinari acreditava que esses grandes murais tinham a capacidade de se comunicar diretamente com o povo, ultrapassando as fronteiras dos museus e marcando presença no que ela chamava de função social da arte. Em igrejas e em edifícios famosos, ele permitiu uma perfeita sintonia entre arte e arquitetura
8- Família foi modelo em muitas obras: Naquela época era muito difícil ter condições para pagar modelos. Por isso, a própria família de Portinari foi convidada para posar para os personagens criados na Capela da Tijuca. O filho, João, é o Menino Jesus.
9- Dicotomia: Em todos os momentos de sua trajetória pictórica, há muitas dicotomias: fúria e ternura, drama e poesia, trágico e lírico. Entretanto, no decorrer de sua evolução artística o que sobressai é a universalização de sua temática, que encontrou sua expressão máxima nos painéis que ele produziu sobre Guerra e Paz para a ONU, nos Estados Unidos (1952-1956). Na obra, as variações de Pietá não representam apenas as mães nordestinas, mas todas as mães do mundo que se veem condenadas a chorar por seus filhos. Ele era um dos artistas mais sensíveis que o Brasil teve e acabou morrendo intoxicado pelas tintas que tanto amava.
10- Diferentes estilos: A obra do artista é marcada pela diversidade. Ele flertou com o cubismo, expressionismo, arte abstrata, entre uma infinidade de experimentações. Sua infância, o Brasil e a arte sacra marcaram sua trajetória e estão presentes em suas obras. Ele pintou o Descobrimento do Brasil, Tiradentes, a Família Real, a Primeira Missa do Brasil, além de uma série de episódios marcantes de nossa história. Pessoas comuns e trabalhadores foram destacados como responsáveis pela construção de nosso País. Mas vale destacar, também, que ele fez retratos de Presidentes e de uma série de personalidades que foram importantes para o Brasil.
Marcello Dantas é o curador da exposição e foi responsável pela exposição e por toda a experiência que temos com a obra e a vida do pintor. Segundo ele, a nova costura, permitida pela tecnologia, traz para as atuais gerações a possibilidade de descobrir como chegamos aqui e com que signos nós construímos essa jornada. “A exposição oferece uma perspectiva contemporânea sobre o legado de Portinari, cuja memoria deve ser celebrada e cultivada, muito além do tempo de sua vida. Portinari iluminou a brasilidade e conectou múltiplas gerações a partir de um universo gerado por um grão de café”, diz ele.
A exposição fica até 10 de julho, de terça a sexta-feira e domingo das 10h às 17h. Aos sábados, está aberta das 10h às 18h. Os ingressos são gratuitos às terças. De quarta a sexta custam R$ 30 (R$ 15 a meia entrada) e de sábado, domingo e feriados saem por R$ 45 (R$ 22,50 a meia entrada). Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre o universo da arte para compartilhar, aguardo sua mensagem pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.