17/05/2021 - 19:31
Alfredo Volpi foi um dos principais artistas da segunda geração da arte moderna brasileira. Ganhou destaque com pinturas de casas e bandeirinhas de festas juninas (sua marca registrada). Nasceu na charmosa cidade de Lucca (Itália) em 1896 e veio para o Brasil com sua humilde família quando ainda era um bebê. Teve uma trajetória singular, pautada por sua paciência e pelo apegado à família. Jamais perdeu o sotaque italiano e nunca quis se naturalizar para tentar se manter ligado com suas raízes europeias. Tinha quase 50 anos quando fez sua primeira exposição individual e pintou por quase sete décadas. Para conhecer um pouco mais sobre sua trajetória, compartilho dez coisas que talvez você não saiba sobre Alfredo Volpi, o artista que foi muito mais do que o pintor das bandeirinhas:
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1- Autodidata italiano – Desde criança, gostava de misturar tintas e criar cores. Aos doze anos, começou a trabalhar em uma gráfica e com o primeiro salário comprou uma caixa de aquarelas. Desde então, começou a pintar sem parar. Em 1911, aos 16 anos, foi aprendiz de decorador de parede e pintava frisos e painéis de mansões paulistanas, na mesma época que começou a pintar sobre madeira e telas. Em 1925, iniciou sua participação em mostras coletivas já vendendo um quadro (“Minha irmã costurando”). Sua primeira exposição individual só aconteceu em 1944, quando tinha 48 anos. Na 2ª Bienal de São Paulo (1953), foi eleito o melhor pintor do País ao lado de Di Cavalcanti (1897 – 1976) e começou a ganhar relevância internacional, inclusive na renomada Bienal de Veneza.
2- Aberto para descobertas – Ao longo de quase um século, Volpi passou por várias fases, sendo influenciado por impressionistas e artistas clássicos como Paul Cézanne, Paolo Ucello e Giotto. Criou sua própria linguagem na pintura e evoluiu naturalmente das representações de cenas da natureza para produções dominadas por cores e estilo abstrato geométrico. Obras com bandeirinhas multicoloridas tornaram sua marca registrada.
3- Gostava de luz natural – Volpi só pintava com a luz do sol e se envolvia totalmente com a produção de suas obras. Esticava e preparava o linho de suas telas e, a partir da década de 40, começa a criar sua própria tinta com verniz, clara de ovo e pigmentos naturais purificados se ressecados ao sol. Dizia que as tintas industriais “criavam mofo e perdiam vida com o passar do tempo”. Ele não sabia nessa época quem era Claude Monet, mas ele tinha o mesmo gosto de pintar ao ar livre e de repetir temas. De 1910 a 1940, saiu de uma incipiente produção figurativa para a maturidade artística, em uma grande busca pela geometrização refinada (cor, linha e forma em perfeita harmonia).
4- Artista-operário – Volpi foi marceneiro, entalhador, encadernador, tipógrafo e decorador de fachadas. Com isso, ganhou o apelido de ‘pintor-operário’. Como artista, era detalhista e perfeccionista. Preocupava-se até com a força com que segurava os pinceis para a tela não ficar com marcas. Aplicava pinceladas em uma só direção e jamais fazia o movimento de vai e volta com a tinta. Para conseguir preencher a tela, esperava secar e mantinha as cores sempre na mesma direção, fazendo quantas camadas fossem necessárias para obter a luminosidade, as tonalidades e o resultado esperado. As mãos de Volpi são as grandes responsáveis pelo sucesso de seu trabalho, criando marcas, variações mais densas ou mais ralas numa mesma cor.
5- Pintura com o coração – Volpi reproduzia o que experimentava na vida, o que seus olhos viam e, principalmente, o que seu coração sentia, tanto na obra figurativa como na geométrica. Precisava permanecer no domínio instável, frágil e precário do inacabado para ficar feliz com a jornada de criação de suas obras. Com muita calma, explorava a experiência da pintura e das transformações lentas em todo seu processo criativo, encerrando os quadros quando seu coração acelerava e ele se dava por satisfeito com o resultado.
6- Produção artesanal – Volpi produzia obras com muita calma e de uma maneia quase artesanal. Tinha uma refinada construção espacial. É interessante observar a paleta e a maneira como criava suas obras. Como em um jogo de quebra cabeça, ordena cores e formas de modo a estabelecer diálogo e equilíbrio entre elas. Volpi traz para a modernidade importantes elementos do passado e os incorpora em sua obra, buscando novas interpretações para modernizar a pintura em busca de uma linguagem contemporânea.
7- Olhos bem abertos – As obras de Volpi eram repletas de detalhes, variadas texturas e de múltiplos jogos. Quem observar com calma o jogo cromático, notará um azul no meio de um verde, ou um amarelo num vermelho, de forma quase desapercebida. Vale a pena fazer o teste escolhendo algumas de suas obras.
8 – Religião como arte – Volpi produziu várias pinturas religiosas, que acabaram sendo ignoradas por muitos críticos que se concentraram apenas nas ‘Bandeirinhas’. Ele gostava de pintar igrejas e madonas por causa da questão estética. Portanto, seu trabalho não nascia na fé religiosa, mas em uma fervorosa crença na pintura. A moderna posição frontal das madonas começou a ser adotada após o contato de Volpi com o Concretismo e pela influência que teve após uma viagem para a Europa, em 1950. Por um ano, ele produziu as pinturas do interior da Capela de São Pedro, na Usina de Açúcar de Monte Alegre, em Piracicaba (SP). Neste período, passou a explorar a expressividade, a ingenuidade e a austeridade dos santos. Com as pinturas de catedrais, parece que Volpi alcança o mais complexo e o mais completo de sua obra, consolidando problemáticas novas e antigas, como a própria construção de uma igreja, pedra sobre pedra, com paciência e cuidado.
9- Mais do que bandeirinhas – Volpi foi muito mais que o pintor das bandeirinhas, apelido que recebeu ao longo de sua vida. A pintura ‘volpiana’ tem muito de lúdico, tanto nas formas quanto nas cores. As linhas horizontais, verticais e diagonais se entrecruzam todo o tempo, formando novas formas geométricas. A partir de composições idênticas, Volpi mudava as cores de lugar e criava outra obra totalmente diferente da anterior, como se estivesse brincando com cores e com os elementos constitutivos do quadro. É interessante observar também que, além da composição, existe um padrão cromático já pré-determinado, no qual as cores que são trocadas não são as das bandeirinhas, mas sim as do fundo. Ele teve várias temáticas ao longo de sua carreira de quase sete décadas, criando figuras humanas, naturezas-mortas, marinhas, paisagens, casas e retratos, entre uma série de outros temas. Sem abandonar o trabalho de decoração de paredes, iniciou em 1939 a série de marinhas e paisagens urbanas de em Itanhaém (SP). Uma de suas marinas foi comprada pelo escritor e historiador Mário de Andrade.
10 – Quase um franciscano – Volpi era reservado e dizia que pintava ao invés de falar. Não gostava de ser reconhecido apenas pelas obras com a temática de bandeiras. Portanto, recusava o apelido de “pintor das bandeirinhas”. Era de uma simplicidade quase franciscana com suas roupas simples, sua casa modesta e sua capacidade de acolher inúmeros filhos (teve uma filha, mas acolheu 19 crianças). Embora fosse da mesma geração dos modernistas, Volpi não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Estava separado do evento por uma questão de classe social (pintava paredes para viver). Mas suas obras mostram como seu trabalho era complexo, resultado de muita observação e genialidade. Em 1988, quando tinha 90 anos, o MAM (SP) fez uma enorme retrospectiva de sua carreira, reunindo cerca de 3.000 pinturas.
Seu trabalho desperta alegria em quem observa e, também, cautela dos compradores, pois seu sucesso fez com que muitas obras fossem copiadas indevidamente, assim como infelizmente acontece com vários mestres internacionais. Se tiver uma boa história para compartilhar, por favor lembre de mim. Aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.