Com a pandemia e o trabalho remoto, nossas casas entraram nos vídeos de reuniões, mostrando nossos gostos e a intimidade de nossos lares. Por aqui, meu estúdio de pintura participou de várias Lives e me deu a dica do tema dessa coluna de arte. Os ateliês dos artistas famosos mostram o estilo, os gostos e insights que falam mais sobre as personas de cada um do que muitas biografias. Alguns desses espaços já foram adaptados para visitação. Começo a coluna por Pablo Picasso, o artista que mais teve estúdios ao longo de sua vida e indico 10 museus criados especialmente para manter o legado de importantes pintores e escultores:

Tudo com Picasso é tamanho GG. Ele foi um dos artistas mais famosos do século XX e teve sete estúdios ao longo da vida. Seu primeiro ateliê em Paris foi na Rue Gabrielle, 49. Foi a partir do bairro de Montmartre, que ele pintou ‘Demoiselles d’Avignon’ (1907), a primeira pintura da arte moderna. Naquele tempo, a região era barata e suas colinas com pomares e cabarés atraiam jovens, com pouco dinheiro para bancar aluguéis. Vários artistas alugavam oficinas na Rue Ravignan, ao lado da Place Emile Goudeau. Picasso ficou por lá por três anos, de 1904 a 1907. Ele era um jovem de 23 anos, com uma ambição muito maior do que o pequeno local que ele ocupava. Foi a partir desse pequeno estúdio que ele pintou as últimas obras do seu “Período Azul” e quadros da “Fase Rosa” (1904-1906), inspirado pelo seu amor da época, Fernande Olivier.

O local era muito simples. Tinha uma cama no canto, um pequeno fogão enferrujado, uma bacia de cerâmica, uma cadeira de vime e cavaletes e telas espalhados por todos os cantos. Não tinha luz ou gás, sendo, portanto, sufocante no verão, frio e úmido no inverno. Uma curiosidade: a oficina ficava num prédio que era apelidado de ‘Le Bateau Lavoir’, que em francês significa o barco da lavanderia. Para alguns, o nome era uma referência aos barcos atracados no Rio Sena, mas os artistas eram unânimes ao dizer que o edifício gemia quando ventava, exatamente da mesma forma que os barcos de lavanderia que ficavam no rio. O prédio sofreu um incêndio em 1970, mas foi restaurado e ainda abriga estúdios de diversos artistas. Infelizmente, o local não permite visitação interna.

Para quem deseja ter mais contato com a vida de Picasso, existem vários museus e locais em sua homenagem. Não será surpresa para nenhum entusiasta da arte que Barcelona foi a casa de Picasso durante seus primeiros anos de formação e era a partir deste local que ele pintava já aos 14 anos (Les Cases d’En Xifré -1895). Atualmente, o prédio que abrigou o primeiro estúdio de Picasso é um dos hotéis mais luxuosos da cidade: The Serras Barcelona.

Para Picasso, seus ateliês eram o centro do mundo e a integração de tudo o que estava ocorrendo de melhor no universo da arte. Sempre se posicionando em destaque, ele gostava de chamar outros artistas e potenciais compradores para verem sua arte (‘ou sua genialidade’) de perto. Ficava horas e horas pintando, de preferência de short e de camiseta regata. Quando morava e mantinha ateliê num casarão na Rue des Grands Augustins, pintou uma de suas obras mais famosas: ‘Guernica’. Em Paris, também teve ateliê na Boulevard Raspail, 242.  Morava e pintava a partir dos seus estúdios, testando sua imaginação de forma praticamente ininterrupta. Sua ligação com esses locais era tão grande, que chegou a produzir obras sobre o tema. No Museu Guggenheim, por exemplo, tem a obra ‘L’atelier’ (O Estúdio), que contrasta com os contornos geometrizados e semelhantes a arames que definem as figuras sob o olhar da escultura contemporânea de arame. De 1927 a 1929, Picasso elaborou um discurso complexo sobre a atividade dos artistas por meio da temática do ateliê. Entre as variações da série, está no MoMA (The Museum of Modern Art, de Nova York) a pintura ‘The Studio’.

Ao retratar representações artísticas de humanos de uma forma altamente esquematizada, Picasso coloca as figuras em vários locais distantes do mundo dos seres vivos. A sensação que dava é que, para ele, os estúdios eram como locais sagrados, com uma porta para uma outra dimensão. Aliás, realidade e ilusão sempre foram uma preocupação central para Picasso ao longo de toda a sua vida. Picasso tinha até um fotógrafo preferido (Edward Quinn) para registrar seu trabalho a partir dos seus ateliês, como o belo estúdio de Côte d’Azur, na costa da França.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Picasso foi o artista que manteve sucesso em vida por mais tempo. Foram mais de sete décadas de produção artística ininterrupta. Produziu seu último trabalho poucas horas antes de morrer de enfarte, aos 91 anos. Seus trabalhos são destaque nos principais museus do mundo e tem vários locais para manter seu legado ativo. Um deles é o Museu Picasso, de Paris, criado para mostrar todas as suas facetas como artista (atuou como pintor, escultor, ceramista, escritor, poeta, entre outras atribuições). Sua coleção particular faz parte do acervo do local, incluindo obras de Paul Cézanne, Henri Matisse e Auguste Renoir. O museu funciona em uma bela mansão que era o Hôtel Salé, localizado no bairro do Marais. Sem dúvida, nessa longa trajetória, Picasso teve muitos estúdios, mas o mais importante ateliê convertido em museu não é dele.

Auguste Rodin foi quem conseguiu esse feito. Seu ateliê foi convertido no importante Museu Rodin. Localizado em Paris, reúne as principais esculturas do artista, incluindo ‘O Pensador’, ‘Os Burgueses de Calais’ e ‘Os Portões do Inferno’. Há também importantes obras produzidas por sua amante, Camille Claudel. A história do local é bem curiosa. Em 1908, Rodin alugou vários quartos no andar térreo do Hôtel Biron, que era uma mansão espetacular no exclusivo Faubourg Saint-Germain. Pouco depois, ele começou a trabalhar para convencer o governo francês a converter esse hotel em um museu parisiense. Em 1916, um ano antes de sua morte, seu sonho foi realizado.

Joan Miró – Foi criada a Fundação Joan Miró para preservar os estúdios de Joan Miró e inspirar futuros artistas, incluindo não apenas seu primeiro ateliê, mas, também, Son Boter, uma casa de campo onde produzia obras de grande envergadura. Hoje, sua garagem abriga uma oficina de gravura que continua em funcionamento. Essa casa fica em Maiorca, cidade onde o pintor passava temporadas com sua avó.

Jackson Pollock – Após casar-se com Lee Krasner em 1945, mudou para uma casa-estúdio em East Hampton. Seu celeiro foi transformado em um estúdio e foi a partir deste local que Pollack produziu suas obras de arte mais famosas. Trabalhou e viveu no local até sua morte, em 1956. Ele tinha o hábito de pintar colocando as telas no chão. Portanto, não é de se espantar que as tábuas de madeira estejam repletas de tinta até os dias de hoje. As paredes da casa foram adaptadas para contar a história dos artistas, mostrando fotos e um pouco sobre a intimidade do casal. Em seu testamento, Krasner indicou que gostaria que a casa fosse usada para estimular estudantes de arte moderna. Pollock-Krasner House and Study Center funciona de maio a outubro.

Georgia O’Keeffe – Em 1949, muito depois de começar a criar suas pinturas icônicas e abstratas de flores, O’Keeffe deixou Nova York e se mudou para a cidade de Santa Fé, capital do Novo México. Ela foi visitar uma amiga em 1927 depois de uma crise conjugal e se apaixonou pela cidade, um dos locais mais desérticos dos Estados Unidos. Fiquei desidratada e tive que ir para o hospital quando visitei essa cidade, mas o mal-estar temporário valeu a pena para saber mais sobre a artista, que é uma das mais famosas dos Estados Unidos. Sua casa serve de inspiração para muitos artistas americanos, interessados em conhecer seu processo criativo, e seu museu reúne grande parte de suas obras e mantem seu legado vivo.

Barbara Hepworth – No início da Segunda Guerra Mundial, a escultora britânica Barbara Hepworth se estabeleceu na cidade de St. Ives, na Cornualha, com seu segundo marido. Durante 25 anos, ela produziu a partir deste local várias peças exclusivas, de pedra e de madeira. A casa e o jardim foram transformados em um museu (The Barbara Hepworth Museum and Sculpture Garden), que é gerenciado pela Tate, de Londres, desde 1980. O estúdio de escultura permanece praticamente como ela o deixou, enquanto o estúdio de gesso agora inclui espaço educacional.

Francis Bacon – Ele trabalhava em estúdio tão perturbado como sua arte. Em 1998, seis anos após a morte de Francis Bacon, uma equipe de especialistas, incluindo arqueólogos, curadores e conservadores, mudou todo o seu estúdio de Londres para The Hugh Lane, uma galeria de arte administrada pelo município em Dublin, cidade na qual nasceu. O espaço foi recriado e mostra exatamente o estúdio como era, inclusive a poeira que ele deixava acumular. As bebidas, as tintas misturadas e largadas no chão junto com roupas, telas destruídas e papeis rasgados mostram muito mais da personalidade do artista do que muitas biografias e textos que tentam narrar seu estilo e seu modo de pensar. Além de se sentir bem no meio da bagunça, Bacon tinha um péssimo hábito: misturava tintas na parede, ao invés de usar uma paleta de cores. Essa foi a primeira vez na história dos arquivamentos de museus que milhares de objetos foram transferidos de um local para outro, mantendo exatamente o estúdio como era.

René MagritteSua casa em Bruxelas era frequentada por muitos artistas e foi o berço do surrealismo belga. Praticamente metade de toda a sua produção artística foi produzida a partir deste local, muitas vezes usando seus próprios utensílios domésticos como inspiração. Desde 1990, a residência foi adaptada para ser transformada em um museu. O René Magritte House Museum exibe pinturas e arquivos de Magritte, além de mostrar como era o estúdio na época do artista. Sua coleção particular, com cerca de 650 obras de arte moderna, também está exposta no local.

Museu Delacroix – Eugène Delacroix foi um dos principais pintores da escola romântica francesa. Mudou-se em 1857 para seu último apartamento integrado ao estúdio, que ficava na elegante Place de Furstenberg, em Paris. A maior parte de suas pinturas está no Museu do Louvre, mas o local que virou museu é fundamental para conhecer mais sobre sua vida, suas obras inspirações. Para quem não sabe. Delacroix inspirou e foi uma referência importante para muitos pintores impressionistas.

Museu Zadkine – Localizado bem perto do Jardim de Luxembourg, o Musée Zadkine é um oásis urbano. Fica em uma casa maravilhosa, com um pátio exuberante para mostrar as obras do escultor modernista, um artista expatriado russo que também produziu desenhos, guaches, fotografias e tapeçarias durante sua longa carreira.

Museu de Montmartre – Os jardins do Musée de Montmartre foram nomeados em memória de Auguste Renoir,  que viveu no casarão entre 1875 e 1877. A partir deste local, ele pintou várias obras-primas como ‘Bal du moulin de la Galette’, ‘Balançoire’ ou ‘Jardin de la rue Cortot’. A visita aos jardins secretos vale os 5 euros adicionais para ver as cores inspiradas na paleta do pintor impressionista.


Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre arte para me contar, aguardo contato pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias