“Aquarius” estreia cercado de polêmicas

“Aquarius” estreia cercado de polêmicas

O cinema brasileiro devia a Sonia Braga um papel como o de Clara, a protagonista de “Aquarius”. No filme do pernambucano Kleber Machado Filho (de “O Som ao Redor”), que estreia na quinta-feira 1, em 15 cidades brasileiras, a atriz dá vida a uma mulher difícil – e sua interpretação é tão envolvente quanto corajosa. Viúva há 17 anos, com três filhos já crescidos e distantes, Clara preserva o lugar onde mora como uma utopia, um refúgio idealizado, templo de suas memórias intelectuais e afetivas. O apartamento de frente para o mar na Praia de Boa Viagem, no Recife, é singular sob todos os aspectos. Última unidade habitada do antigo edifício Aquarius, hoje vizinho de arranha-céus de alto-padrão, a residência guarda os livros e LPs do tempo em que a escritora atuava como jornalista. Mais que isso, o local é mantido como uma fortaleza onde essa solitária mulher de convicções irredutíveis luta para que sua visão de mundo não desmorone.

Retrato complexo dos tempos atuais, “Aquarius” não permite neutralidade. O espectador pode torcer ou não por Clara, mas dificilmente evitará a sensação de que algo grave está para acontecer na trama. Essa capacidade de envolver quem o assiste é um mérito de Kleber Mendonça Filho. Para a Clara que ele criou, a insistência na compra do imóvel onde vive por parte da construtora que já arrematou as demais unidades do prédio é uma forma de violência. Aguerrida, Clara acredita que não deve ceder, sem se importar com o que os outros pensam ou com as dificuldades que sua relutância pode impor. Na luta para manter seu lar, seu lugar no mundo, ela jamais recua, desafiando o poder econômico representado pela especulação imobiliária.

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Em sua batalha pessoal, Clara, que na juventude tirou um seio para vencer um câncer de mama, mostra a fibra de uma cidadã obstinada. A mensagem que ela passa é da esperança de que nem tudo está perdido, de que o dinheiro não compra tudo e, mais importante, de que é possível vencer até as batalhas mais duras. Ao dar vida a essa sonhadora sem ingenuidade nem desânimo, Sonia Braga mostra uma densidade rara no cinema brasileiro. E merece os aplausos que recebeu em Cannes, onde o filme participou da seleção oficial, em Amsterdã e em Sydney, onde ele foi premiado como melhor filme, e nas pré-estreia no Recife e São Paulo.

Censura
A decisão de proibir “Aquarius” para menores de 18 anos sob a alegação de que ele contém cenas de sexo e consumo de drogas (uma restrição nitidamente exagerada para o que filme mostra) gerou mais uma polêmica fora das telas. A produção já havia rendido manchetes quando parte do elenco e da equipe aproveitou a exibição no Festival de Cannes, na França, para protestar contra o impeachment de Dilma Rousseff. Na ocasião, posaram para fotos com cartazes que afirmavam haver um golpe de estado em curso no Brasil.

A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados votou na terça-feira 30 um requerimento para que o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, explique os critérios de classificação das produções audiovisuais. Entendendo que a decisão de censurar o filme foi uma represália do governo, três cineastas brasileiros retiraram seus filmes da postulação à disputa do Oscar, fortalecendo assim a candidatura de “Aquarius”. Depois do barulho, a censura foi revista para 16 anos. Além das polêmicas, o filme tem méritos de sobra.