O samba de Assis Valente tem tudo a ver com a alegria do deus grego do teatro. O convite ao desacato na canção Minha Embaixada Chegou era o que impulsionava o coro de Bacantes, versão do Teatro Oficina estreada em Ribeirão Preto, em 1995. “Em nós, cabiam todas as revoluções da época,” adianta o diretor Zé Celso. “Hoje, é preciso reavivar essa juventude que traz consigo a revolução tecnológica.”

Nesta sexta, 28, o espetáculo ganha nova versão na pista concebida por Lina Bo Bardi. Antes disso, a montagem passou pelo Sesc Pompeia, espaço também desenvolvido pela arquiteta. Aliás, “foi ‘Bacantes’ que pariu o Teatro Oficina como ele é hoje”, conta Camila Mota que interpreta Semele, a mãe de Dionísio. O texto de Eurípedes inspirou o que a atriz chama de uma “dramaturgia espacial”, que deu forma ao melhor teatro do mundo, recentemente eleito pelo The Guardian. “O jardim túmulo de Semele e a fonte de Dirce estão previstas no projeto, além do teto móvel para a comunicação com os urânidas, os filhos Urano.”

Última tragédia escrita pelo dramaturgo, Bacantes tem mais de dois mil anos e imprime no mundo o DNA do evento teatral. A história se baseia no mito do rei Penteu e sua mãe Agave, que não reconhecem o divino Dionísio. O rei, então, passa a proibir os cultos realizados pelas bacantes. Enfurecido, Dionísio engana o rei ao colocá-lo próximo à cerimônia. Em êxtase, as mulheres capturam Penteu e o despedaçam. Entre elas, estava Agave, que volta para casa com a cabeça do filho, imaginando que tivesse abatido um leão.

“Na primeira montagem, elas só despedaçavam esse rei golpista”, afirma Zé Celso. “Agora, elas também o comem, uma verdadeira antropofagia.” Camila ressalta que o ato de comer o inimigo, comum em tribos canibais, reorienta sua maneira de refletir sobre o período de instabilidade econômica e política no Brasil. “Acho mais interessante gritar ‘Fora, Penteu’ do que ‘Fora, Temer’. Não é preciso por uma cabeça porque se trata de uma onda conservadora, seja aqui ou nos EUA, com o Donald Trump. Isso nos ajuda a filtrar o ódio e transformá-lo em uma felicidade guerreira.”

Para o diretor, o louvor realizado no espetáculo se faz no encontro com o público que se une aos mais de 70 artistas no palco. “Não podemos nos render a uma ditadura estética, que transformou as peças em cartaz em monólogos. A orgia do teatro não se simplifica ao pé da letra, como muita gente pensa a respeito do Oficina. O rito de Dionísio não tem rosto e é feito por todos. Penso que quando eu partir, essa comunhão vai continuar.”

BACANTES

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Teatro Oficina. Rua Jaceguai, 520. Tel.: 3104-0678. 20h. Sáb. e dom., 18h. R$ 60 / R$ 20. Até 23/12. Reestreia nesta sexta-feira, 20h.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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