Nesse momento em Israel, pacientes portadores da Síndrome de Machado-Joseph, doença neurodegenerativa rara e grave, são os primeiros a experimentar uma esperança concreta de cura. Caracterizada pela perda progressiva da capacidade motora, a síndrome ficou recentemente mais conhecida no Brasil após a morte do ator Guilherme Karam, em julho. Guilherme era uma das vítimas no País. Os doentes israelenses participam do estudo que testa a eficácia da primeira droga contra a Machado-Joseph e, duas vezes pioneiros, também estão entre os primeiros beneficiados pelas descobertas que renderam ao cientista japonês Yoshinori Ohsumi o prêmio Nobel de Medicina deste ano.

Trata-se de uma situação exemplar. Ilustra bem como estudos da ciência básica, realizados ao longo de anos, são a sustentação que, mais tarde, darão origem a respostas concretas a demandas diversas da vida. No caso de Ohsumi, há ainda o charme de uma história improvável. Formado pela Universidade de Tóquio em 1974, ele começou a estudar Química, mas se desinteressou porque considerou o campo pouco afeito a novas oportunidades. Migrou para biologia molecular, mas uma produção acadêmica inexpressiva o credenciou apenas ao desemprego. Seguiu o conselho de seu orientador e foi tentar a sorte em Nova York, na Rockefeller University, onde estudou fertilização in vitro (união em laboratório de óvulo e espermatozóide). Frustrado, voltou o microscópio para pesquisar como se dá a replicação de DNA em leveduras, atividade que o levou de volta à Universidade de Tóquio, desta vez em uma posição de início de carreira.

Parecia fadado a um currículo enfadonho. Mas foi esse seu trabalho com as leveduras – e, depois, com células humanas – o responsável pelos achados que, na segunda-feira 3, fizeram com que passasse a ocupar a lista dos imortais na Medicina. Ohsumi decifrou o mecanismo pelo qual as células realizam a autofagia, um processo que as permite degradar ou reciclar componentes. Por meio dele, as células podem obter energia para funcionar em caso de situações como privação de nutrientes, eliminam vírus e bactérias e destróem proteínas defeituosas.

Israelenses com a mesma doença que matou o ator Guilherme Karam
testam droga criada com dados do pesquisador e de seus antecessores

É tão importante que já tinha rendido outro Nobel, em 1974, ao belga Christian de Duve, por suas descobertas sobre o lisossomo, um dos compartimentos celulares envolvidos. Foi Duve, aliás, que cunhou o termo autofagia para designar o processo. Vem do grego (auto = próprio e fago = comer) e significa “comer a si próprio”.

Problemas nesse mecanismo estão por trás de grande parte das doenças. Câncer, obesidade e diabetes tipo 2 entre elas. Nas doenças neurodegenerativas, como Parkinson, Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica, a autofagia é vital. Por meio dela os neurônios conseguem se livrar de proteínas danificadas, que, se acumuladas, contribuem para o desencadeamento dessas doenças.

Em algumas, o acúmulo de proteínas anômalas é a única causa. É o caso da síndrome de Machado-Joseph, e é aqui que os pacientes israelenses se encontram com as descobertas do japonês Ohsumi. O remédio que eles testam agora foi criado com base nas informações levantadas por ele e seus antecessores. “O medicamento acelera a autofagia, removendo a proteína de forma mais eficaz”, explica o neurologista Marcondes Cavalcanti França Jr., da Academia Brasileira de Neurologia.

Logo após receber a ligação do Instituto Karolinska, na Suécia, responsável pelo prêmio, Ohsumi falou aos jornalistas que o aguardavam no Instituto de Tecnologia de Tóquio, onde trabalha hoje. “Tudo o que posso dizer é que é uma honra”, disse. E completou. “Mas queria falar aos jovens que nem tudo em ciência pode ser um sucesso, mas é importante enfrentarmos os desafios.”

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