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PATRICK B. KRAEMER/EPA

Logo depois de conquistar cinco medalhas, duas delas de ouro, na Olimpíada de Londres, em 2012, o nadador americano Ryan Lochte decidiu explorar o lado celebridade. Assinou contrato com o canal de tevê E!, famoso por reality shows como o da família Kardashian, e criou o seu próprio programa: “What would Ryan Lochte do?” (“O que Ryan Lochte faria?”, numa tradução livre para o português). Por causa da baixa audiência, o reality show que mostrava a agitada vida noturna do nadador, seus investimentos na moda e a busca por uma namorada foi cancelado na primeira temporada. A superficialidade do programa – num dos episódios, Lochte filosofava sobre o significado da palavra “babaca” – e a falta de traquejo diante das câmeras – em diversos depoimentos, ele perdia a linha de raciocínio e passava segundos olhando para o horizonte – fizeram do campeão olímpico uma grande piada nacional. Na semana passada, os americanos compartilharam a piada com o mundo todo.

No olhar do brasilianista Bryan McCann, depois do episódio, os americanos precisam enfrentar a realidade de que o problema são eles, e não os brasileiros

FARSA DESMONTADA

Lochte deixou o Rio de Janeiro depois de ganhar a sua 12ª medalha olímpica dizendo que havia sido assaltado na manhã do domingo 14. Ao lado de outros três nadadores da seleção americana, James Feigen, Jack Conger e Gunnar Bentz, Lochte contou que havia saído de uma festa num táxi quando o veículo teria sido parado por bandidos numa falsa blitz. Da praia de Ipanema, ele deu detalhes a uma tevê dos Estados Unidos, falando coisas como: “Eles sacaram as armas e disseram aos outros nadadores para deitarem no chão, e eles deitaram. Me recusei. Eu pensei ‘não fizemos nada errado, então não vou me deitar no chão.’ O nadador disse, inclusive, que os tais assaltantes teriam mostrado distintivos, como se fossem da polícia carioca.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO

Comunicação falsa de crime ou de contravenção
Artigo 340 do Código Penal: Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não ter ocorrido Pena: Detenção, de um a seis meses, ou multa

Dano ao patrimônio
Artigo 163 do Código Penal: Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia Pena: Detenção, de um a seis meses, ou multa

Os próximos passos
Assim que o delegado Fernando Velloso terminar a investigação, ele vai passar um relatório para o Ministério Público, que deve oferecer a denúncia a um juiz. O magistrado pode acatá-la ou não. Se não acatar, a história acaba aí. Caso contrário, os indiciados terão uma chance de defesa. Se condenados, podem pagar multa ou serem obrigados a prestar serviços social

A narrativa apresentou inconsistências ao longo da semana e, na quinta-feira 18, o delegado Fernando Veloso, chefe da Polícia Civil do Rio, classificou a versão de “fantástica” e desmontou a mentira. Imagens de câmeras de segurança mostraram os nadadores chegando sem traumas à Vila Olímpica às 7 horas da manhã do domingo. Eles conversavam descontraídos, segurando celulares nas mãos, sem demonstrar qualquer sinal de que teriam passado por algo tão violento horas antes. Vídeos gravados mais cedo registraram os atletas embriagados, durante uma confusão num posto de gasolina. Lochte, que não é exatamente conhecido pela esperteza, teria inventado toda a história do assalto e sua participação heroica para não afetar a reputação junto à namorada, a modelo Kayla Rae Reid, que ficou nos Estados Unidos e, segundo jornalistas maliciosos, teria sido traída na tal festa.

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O ex-astro de reality show voltou para seu país antes que a Justiça ordenasse a retenção de seu passaporte. Conger e Bentz não tiveram a mesma sorte e, na noite da quarta-feira 17, foram retirados de um voo. Feigen permaneceu no Brasil. Segundo Veloso, os dois nadadores que prestaram depoimento sobre o assalto inventado, Lochte e Feigen, podem ser indiciados por falsa comunicação de crime. Caso o dono do posto de gasolina Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, onde os nadadores depredaram um banheiro, preste queixa contra os atletas, eles também podem ser acusados de dano ao patrimônio.

No olhar do brasilianista Bryan McCann, professor do Departamento de História da Universidade Georgetown, de Washington, o episódio serviu para modificar a visão até agora alimentada nos Estados Unidos a respeito dos Jogos Olímpicos. “Esse caso inverteu de maneira fascinante a perspectiva nos Estados Unidos sobre os problemas relacionados às Olimpíadas”, disse à ISTOÉ. “Até agora, a ladainha na imprensa americana era de que todos os problemas, grandes e pequenos, eram sinal de que o Rio não estava preparado, que o Brasil não estava à altura de sediar os megaeventos. Agora os americanos precisam enfrentar a realidade de que o problema somos nós.” Para McCann, o caso se tornou icônico e vai marcar a memória da cobertura dessa Olimpíada.

Na tarde da quinta-feira 18, curiosos e jornalistas da imprensa internacional se juntaram em frente à Delegacia de Atendimento ao Turista, no Leblon, para acompanhar a saída dos atletas após o depoimento. Quando deixaram o prédio, os nadadores foram cercados, mas não responderam a nenhuma pergunta dos repórteres. Eles entraram no carro sob vaias e gritos de “vergonha” em português e inglês.