Ministro do Desenvolvimento Social diz que o Congresso não dará aval para o retorno da presidente afastada, antecipa mudanças no Bolsa Família e critica propostas de liberação das drogas

Há praticamente um mês à frente do Ministério do Desenvolvimento Social, o gaúcho Osmar Terra adotou como meta o estímulo à saída de beneficiários do programa Bolsa Família a partir de sua inclusão no mercado de trabalho. Polêmico, ele avalia que a política comandada pelos governos petistas era muito “assistencialista” e diz que “uma família não pode se conformar em passar a vida inteira vivendo do Bolsa Família”. Deputado federal licenciado, Terra revela preocupação diante dos últimos acontecimentos da operação Lava Jato, mas diz acreditar que seu partido e o governo de Michel Temer terão forças para sobreviver à investigação. “O PMDB tem uma estrutura gigantesca no País e não será avalista do desastre que poderia ser a volta da Dilma”, sentencia. “A volta dela seria um desastre absoluto”.

ISTOÉ – O pedido de prisão de líderes como Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney pode ser decisivo para o futuro do governo de Michel Temer?

Osmar Terra – Isso é consequência de um levantamento feito pelo Ministério Público. É o curso normal da Lava Jato, que tem que seguir. O fato de ter vazado a denúncia é muito desgastante, mas Renan, Sarney e Jucá têm condições de se explicar e de se defender. Mas o governo e suas propostas para o País voltar aos trilhos sobrevivem.

ISTOÉ – O que o leva a ter tanta certeza disso?

Terra – Primeiro, eles têm uma chance de provar que não cometeram os crimes apontados pela PGR. Se não provarem, que o processo siga seu curso. Mas o PMDB tem uma estrutura gigantesca no País. O partido tem quadros para ajudar o governo a não sucumbir a uma pressão destas. Talvez seja o partido com mais resiliência para avançar, porque tem uma base social muito forte. Não vejo, até agora, nada que comprometa o presidente Temer. O nosso real problema é que o governo do PT quebrou o Brasil. Quebrou quebradinho.

ISTOÉ – Mas isso não aumenta as dificuldades do presidente no Congresso e até na votação do impeachment no Senado?

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Terra – Ninguém vai ser avalista do desastre absoluto que seria a volta da Dilma. O País está quebrado. Temos de apostar na equipe econômica do presidente Temer, comandada pelo ministro Henrique Meirelles. Ou eles dão certo ou quebra tudo. Precisamos dar a maior força possível para o governo superar a destruição da economia e aguardar o resultado. Mas não é um resultado milagroso. O que houve no Brasil foi um terremoto, agora é a reacomodação das placas. Este é um governo de transição. O problema é readquirir a credibilidade. Nem o PT defende mais a volta da Dilma, agora pedem novas eleições.

ISTOÉ – O senhor foi criticado, recentemente, por pedir ressarcimento por uma nota de pipoca no cinema. Como foi isso?

Terra – É uma coisa bem simples. Na Câmara, a gente tem direito de ressarcimento pelos alimentos consumidos nos dias em que estamos trabalhando, da forma mais transparente possível, com nota fiscal. Não é esse cartão corporativo da Presidência que fica tudo escondido. Em 18 dias, a Dilma comprou R$ 54 mil em pão de queijo no Alvorada e ninguém falou nada. Mas um dia, por puro descuido, entrou essa nota que não tinha nada a ver com minha atividade parlamentar. Já devolvi. Todo fim de semana, eu almoço e janto com minha família em restaurantes, porque minha mulher se recusa a fazer comida. E nunca vão encontrar uma nota dessas. Eu sei que vai tudo para a transparência, vou me “queimar” com uma pipoca?

ISTOÉ – Neste primeiro mês como ministro, o que o senhor encontrou no Ministério?

Terra – Houve um corte brutal, nos últimos anos, de toda a área social. O corte foi nas despesas discricionárias para o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que está com a metade dos valores previstos que tinha em 2014. Em dois anos, a dotação autorizada passou de R$ 5,97 bilhões para R$ 3,27 bilhões. E, em 2015, a execução já tinha sido reduzida em 30%. Há uma queda abrupta. São os maiores cortes da história. O discurso deles desaparece diante dos fatos.

ISTOÉ – Há muita dívida?

Terra – Só de restos a pagar, herdamos uma dívida de R$ 1,8 bilhão. O programa Brasil Carinhoso, por exemplo, tem R$ 202,9 milhões em repasses atrasados para os 2.650 municípios que ampliaram a presença de crianças atendidas pelo Bolsa Família nas creches.

ISTOÉ – Esse Ministério era o cartão de visitas da gestão petista.

Terra – Houve um viés assistencialista muito grande. A proposta de inclusão produtiva do programa não avançou por falta de estímulos adequados. Os prefeitos não têm, hoje, nenhum estímulo, nenhum prêmio, para tirar um monte de gente do Bolsa Família e botar em empresas e microempreendimentos. Isso ficou faltando. O nome do ministério é “Ministério do Desenvolvimento Social”, ele pressupõe um progresso das pessoas no campo social. Mas, na realidade, ele manteve o status quo, só não deixava as pessoas passarem fome. Em dez anos, o Bolsa Família subiu de três milhões para 14 milhões de usuários.

ISTOÉ – Isso significa que foi ampliada a cobertura do programa ou que a pobreza aumentou?


Terra – Significa que tem muita gente na faixa de pobreza e nós temos que reduzir isso. Se nós temos hoje 50 milhões de pessoas na pobreza extrema, que precisam em média de R$ 160 por família para não ficarem na miséria, nós temos 50 milhões de pobres. Pobre para mim é quem não tem renda própria suficiente para suas necessidades básicas. Eles mantiveram 50 milhões de pessoas na beira da miséria e disseram que essas pessoas saíram da pobreza, isso não é verdade.

ISTOÉ – Como o senhor pretende estimular essa inclusão produtiva?

Terra – Até o fim de julho, vamos lançar um pacote detalhado, elaborado com especialistas como Ricardo Paes de Barros, Augusto de Franco, Elisabete Ferrarezi, o pessoal que trabalhou no “Comunidade Solidária” (programa de erradicação da pobreza do governo de Fernando Henrique Cardoso, do qual Terra foi secretário-executivo). Não vamos cortar nada, se a pessoa for para um empreendimento e fracassar ela volta automaticamente. Queremos criar essa rede de proteção e fazer com que haja uma progressão na vida dessas pessoas. Uma família não pode se conformar em passar a vida inteira vivendo do Bolsa Família. Vamos condicionar o benefício à participação em cursos profissionalizantes e à inclusão dos usuários no mercado de trabalho. Na ponta, além da assistência social, teremos um agente de desenvolvimento local que ofereça os serviços dos beneficiários do Bolsa Família nas empresas. Uma espécie de Sistema Nacional de Emprego para usuários do programa e prêmio para a prefeitura que tiver uma taxa grande de saída.

ISTOÉ – Há recursos para isso?

Terra – Queremos um microcrédito diferente. Hoje, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal fazem muita exigência. Não é um crédito para pobre que quer deixar de ser pobre, é para microempresário já estabelecido.

ISTOÉ – E o Pronatec?

Terra – O problema é que a política do Pronatec era muito passiva. Eram oferecidos os cursos, as pessoas não necessariamente encontravam uma utilidade prática para arrumar um emprego. Então, 50% das pessoas do Pronatec saíram do programa antes de terminar o curso e, das que ficaram, 90% não conseguiu emprego. Assim não adianta. Esse programa precisa mudar. O Pronatec tem de estar vinculado a um emprego que já existe, que seja necessário, que a empresa precise.

ISTOÉ – O senhor sempre criticou a política de drogas desenvolvida pelo governo federal. E agora?

Terra – Quem vai determinar a ação do governo é o ministro da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). Só estou preocupado com o aumento da pobreza pela epidemia das drogas, que está devastando um número cada vez maior de famílias e jogando milhões de pessoas na miséria. Se você vai numa “cracolândia”, ali é tudo miserável.Os caras não têm nem o que comer, perdem o controle da própria vida.

ISTOÉ – Do ponto de vista da prevenção, como o Ministério pode contribuir?

Terra – Podemos ajudar no acolhimento das pessoas com dependência química que querem se tratar. Até agora, o Ministério da Saúde e a Senad eram a favor da liberação das drogas e contra qualquer tipo de acolhimento, achavam que as pessoas tinham o direito de se drogar. Eles propõem só a redução de danos. O Braços Abertos (programa do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad) é um fiasco, não funcionou. Pega o resultado e vê quantas pessoas deixaram de usar drogas. Ninguém, no máximo um ou dois.



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