Participar de um evento do porte de uma Olimpíada é visto, normalmente, como grande momento para profissionais de quaisquer áreas. Nas redações, por exemplo, as credenciais, limitadíssimas, costumavam ser alvo de disputa. Eram vistas como medalhas, exibidas por muitos como prêmio pelo bom desempenho em seu trabalho ao longo do ciclo olímpico. Mas há algo de muito diferente no clima que antecede a abertura dos Jogos, daqui a menos de um mês. Quem antes ouvia congratulações pela convocação hoje é questionado. “Você não tem medo de ir ao Rio?” é a pergunta recorrente. Quem responde “não”, invariavelmente, recebe um olhar de espanto.

Terrorismo, assaltos, zika, desorganização. Há alertas de toda espécie e vindos de todas as partes. Não se pode dizer que são absurdos, diante da avalanche de notícias negativas em torno do País, do Estado e da cidade. E talvez também do mundo, a se considerar que terrorismo, diferente das outras ameaças, não é muito a nossa praia. Dito isso, a quem faz os alertas, sugiro uma reflexão: esse tipo de indução ao temor não é parte da dinâmica dos grandes eventos globais nos últimos tempos?

Não estamos sós no clube dos alvos do temor mundial. O Rio, como disse recentemente o prefeito Eduardo Paes, não é Paris, não é Chicago ou Londres. A cidade americana, que disputou com a brasileira o direito de sediar os Jogos de 2016, é uma das mais ricas do mundo. Por conta de episódios de violência racial, nas últimas semanas, foi listada por pelo menos três governos estrangeiros em alertas a seus cidadãos para que evitassem viagens aos Estados Unidos.

Há menos de uma semana, a França encerrou com sucesso estrondoso a organização da Euro, torneio de futebol que só perde em importância e tamanho para a Copa do Mundo. Voltemos ainda mais umas semanas no tempo para as vésperas de seu início. O país anfitrião estava em convulsão. Por conta de debates em torno de uma nova lei trabalhista havia greves por todo lado. Protestos em diversas cidades terminavam em violência entre manifestantes e polícia. Havia ameaças de paralisação geral nos transportes e em outros serviços. E o terrorismo era uma enorme sombra numa nação traumatizada por episódios recentes. A França era o alvo, a interrogação. E respondeu, fora dos gramados, com vitórias. O terror só atacou, quatro dias depois, com o aparato de segurança já desmobilizado: na quarta-feira 14, quando os franceses comemoram a data histórica da tomada da Bastilha.

Não seria razoável pensar que o mesmo pode acontecer no Rio? A cidade, o Estado e o País possuem um histórico bem sucedido de realizações de grandes eventos, a despeito de condições nem sempre favoráveis no seu entorno. Superar a desconfiança, como aconteceu na Copa de 2014 ou na conferência Rio+20, em 2012, é quase uma especialidade do carioca. Reina, nesses períodos, uma espécie de “paz artificial”, como bem definiu Marco Aurélio Canônico em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”. É indiscutível que, como afirmou o prefeito Eduardo Paes, quando tudo acabar e voltar ao normal teremos, mais uma vez, a certeza de ter desperdiçado outra oportunidade de promover melhorias permanentes para os cidadãos. Não teremos também outra demonstração de que, se é possível por pouco tempo, talvez também seja viável criar um ambiente mais duradouro de civilidade em nossas cidades?

O maior temor que devemos sentir não diz respeito ao momento excepcional da Rio 2016, quando a cidade, o Estado e o País estarão com vigilância reforçada por tropas nacionais e sistemas globais de segurança e inteligência. O carioca entregará, como sabe fazer, uma grande festa. Deve-se ter medo do dia seguinte, da normalidade de descaso e desrespeito que nos persegue, não importa em que local do Brasil estejamos.

Luiz Fernando Sá, diretor de Mídias Digitais e Projetos da Editora Três