Ele é o autor mais lido no Brasil na última década. Com uma marca que supera os trinta milhões de leitores, 47 livros publicados e cerca de cem pedidos de palestras mensais, Augusto Cury é um fenômeno. Menosprezado pela crítica literária, figurou até julho por 141 semanas consecutivas na lista dos mais vendidos de livros de autoajuda e esoterismo com “Ansiedade – o Mal do Século”. Avesso a entrevistas, o psiquiatra e psicoterapeuta leva uma vida pacata no interior de São Paulo. À ISTOÉ, revelou que se inspira nas histórias que ouviu dos cerca de 20 mil atendimentos psiquiátricos que fez em quase três décadas de consultório. Um de seus maiores best-sellers, “O Vendedor de Sonhos”, tem sua versão para o cinema em cartaz atualmente. “Construí uma saga que retrata a alma, a dor, as lágrimas choradas e que nunca tiveram a coragem de ser encenadas no teatro do rosto.” O filme, dirigido por Jaime Monjardim, conta a história de Júlio César (Dan Stulbach), um psicólogo prestes a cometer suicídio e resgatado por um mendigo (César Troncoso). Apresentando-se como um vendedor de sonhos, o morador de rua oferece ao psicólogo um dos seus mais preciosos bens – o sonho de recomeçar.

O que achou do filme?

Me levou às lágrimas. Ele nos desarma, nos leva a encontrar a mais importante direção, que poucas pessoas encontram ao longo do traçado de sua própria história, que é o endereço dentro de si mesmo. Os telespectadores farão uma imersão na própria vida.

Qual a principal crítica que seu livro, agora no cinema, apresenta?

A sociedade moderna tornou-se um manicômio global. Estamos vivendo num grande hospital psiquiátrico. Um exemplo dessa loucura é que metade das crianças nunca conversou com os pais sobre quem elas são, seus conflitos, como a angústia e o bullying. Raros são os pais que sabem se seu filho se sente diminuído entre seus pares. Um desastre sem precedentes. Sete em cada dez jovens têm sintomas de insegurança e baixa autoestima. Vivemos a era do pesadelo, não dos sonhos.

As crianças e jovens estão tão infelizes assim?

Nunca tivemos uma geração tão triste. Estamos vendo um trabalho escravo infantil legalizado. É aula de línguas, de esporte, de computador, de música, disso e daquilo. Eles têm tempo para tudo, menos de serem crianças, de brincar. Por isso, entendo que é o assassinato coletivo da infância. O diálogo está asfixiado.

Por que o sr. afirma isso?

O diálogo está morrendo dramaticamente. As famílias modernas se tornaram um grupo de estranhos, próximos fisicamente e muitos distantes interiormente. Milhões de filhos no Brasil e no mundo são órfãos de pais vivos. Eles dão muitos presentes para os filhos, quando têm condições colocam numa boa escola e os enchem de bens materiais, mas erram ao não dar aquilo que o dinheiro não pode comprar, que é a sua própria biografia.

Os pais devem trabalhar a dor e o fracasso com os filhos de que maneira?

Temos que fazer uma revolução sócio-familiar. Pais que não sabem falar de suas lágrimas, para os filhos aprenderem a chorar as deles, não os ensinarão a ter resiliência. Pais que não transferem sua biografia para seus filhos estão gerando jovens frágeis. Aliás, pais que dão muitos presentes estão viciando o córtex cerebral dos filhos a precisar muito mais para sentir migalhas de prazer. Por isso temos que aprender a vender sonhos. Ou seja, entregar aquilo que o dinheiro não pode comprar.

Por que o sr. prega o fim do excesso de estímulo?

Excessos de estímulos, de presentes e de atividades fazem com que a criança, o adolescente, até mesmo os adultos, voltem-se para fora e não para dentro de si mesmos. As pessoas não sabem se interiorizar, trabalhar perdas e frustrações e pensar antes de agir.

Como não ser tragado por essa atmosfera?

Temos de mudar a educação da “era da informação” para a era do “Eu” como gestor da mente humana. Da era do bombardeamento do córtex cerebral para a era do desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Devemos ensinar as crianças e os jovens a desenvolverem sonhos e não desejos. Desejos são intenções superficiais, sonhos são projetos de vida.

Do que mais trata o filme?

Discute-se o ser humano com ele mesmo. Em especial, a gestão da emoção. Estamos vivendo uma situação de mendigos emocionais. Esse é o recado do filme.

O que sugere para gerenciar os sentimentos?

Existem ferramentas bem específicas, como não sofrer por antecipação. Quem sofre por antecipação esgota o cérebro, infecta o presente. Também não se deve combinar perdas e frustrações. Quem rumina esses dois sentimentos é refém do passado. Essas pessoas ou chafurdam na lama do futuro ou se tornam encarceradas do tempo que se foi, asfixiando o presente.

E em relação à cobrança excessiva imposta pelas próprias pessoas a elas mesmo?

Quem se cobra demais frequentemente torna-se carrasco de si mesmo. Ninguém muda ninguém. Temos o poder de piorarmos o outro e não de o mudarmos. Pressão, comparação e generalizações pioram os seres humanos.
De que maneira livrar-se disso?
Mapeando os nossos fantasmas mentais. Temos que perdoar e nos perdoar. O maior favor que se pode fazer ao inimigo é odiá-lo, rejeitá-lo e querer se vingar. Quem mais se beneficia do perdão inteligente, lúcido e coerente é a pessoa que perdoa. Ela reedita janelas traumáticas que financiam toda a raiva, a aversão, a rejeição, o ódio e a vingança.

O sr. diz ter identificado a Síndrome do Pensamento Acelerado. Do que se trata?

Ela é produzida por uma hiperconstrução de pensamentos, numa velocidade tão alta que estressa e desgasta o cérebro. É o resultado do excesso de atividades e de estímulos sociais ao qual somos submetidos diariamente e que impede o desenvolvimento de funções da inteligência, como refletir antes de reagir, expor e não impor ideias e colocar-se no lugar do outro.

Quais seus sintomas?

Ansiedade excessiva, irritabilidade, flutuação emocional, inquietação, intolerância a contrariedades, déficit de concentração, esquecimento, fadiga excessiva e cansaço ao despertar. A pessoa também sente constantemente dores de cabeça ou musculares, tem queda de cabelo e sintomas de gastrite. Se sua reposta for sim a mais de três desses sintomas, é bem provável que esteja sofrendo de SPA.

E sua dimensão?

Ela atinge mais de 80% dos indivíduos de todas as idades, de alunos a professores, de intelectuais a iletrados, de médicos a pacientes.

Qual seu tratamento?

Organizar a vida priorizando o que realmente é importante. Somos rápidos em responder, mas não questionamos nossas convicções antes de falar. Não refletimos sobre o que é prioridade. Definir o que é importante nos traz benefícios tanto no presente quanto para o futuro.

Que papel exerce a competitividade para o desenvolvimento da síndrome?

A paranóia pelo sucesso a qualquer custo e a compulsão de ser o número um estão destruindo as relações e transformando as pessoas em escravas do triunfo. Alguém com a síndrome tem mais dificuldade para lidar com as perdas, administrar as decepções, refletir sobre as falhas. É preciso ter consciência de que a vida é cíclica, não há sucesso que dure todo tempo e nem fracasso que seja eterno.
Como fazer diferente?
Ser diferente é saber duvidar, criticar e determinar. Só assim será possível gerenciar a ansiedade, tornando sua qualidade de vida saudável perante as intempéries da vida.

Estamos mais ansiosos do que há três décadas, quando o sr. começou a escrever seus livros?

Vivemos em uma sociedade digital que bombardeia a mente com uma quantidade de informações que nunca foi tão grande na história.

De que modo ficar longe do excesso de informações?

Critique os estímulos visuais e sonoros, não se torne escravo da tecnologia e diminua o ritmo. Isso vale para crianças e adultos. O exagero de dados é registrado involuntariamente por um fenômeno inconsciente, o Registro Automático da Memória (RAM), transformando nossa mente em um depósito de informação, o que nos torna hiperativos.

Por que o sr. detesta ser chamado de escritor de autoajuda?

Sou um divulgador de informações científicas. Escrevi autor 47 livros, muitos deles usados em pós-graduação e doutorados. Meus textos são ferramentas utilizadas na psicologia, na sociologia ou nas escolas de medicina para que os leitores desenvolvam habilidades como a de se colocar no lugar do outro e a de pensar no doente e não na doença.

Com suas provocações, o sr. conseguiu estar no topo das listas dos escritores com obras mais vendidas no Brasil. A que atribui seu sucesso?

Gostei da palavra “provocações”. Provoco o leitor a fazer uma viagem para dentro de si mesmo, a questionar suas verdades. Sou crítico ao culto à personalidade.

O sr. é um vendedor de palavras?

(Risos… silêncio) Sou um artesão das palavras, com muita humildade.