Um francês de violino debaixo do braço pela Lapa do Rio de Janeiro era a materialização do improvável duas vezes. Um francês que deixou Paris para viver no Brasil poderia ser uma. Um violinista que trocou a academia clássica de seu país pelas rodas de choro era outra. Nicolas Krassik estaria na lista dos excêntricos se não fosse um detalhe. Seu violino falava alto o bastante para se impor. Quinze anos depois, e cinco discos lançados, ele já tem história para contar em uma espécie de autotributo.

O álbum Antologia – Nicolas Krassik 15 Anos de Brasil, desse violinista que deixou família na França para se estabelecer em um país distante e na incerteza que só os músicos conhecem será lançado nesta sexta-feira, 2. O show começa à meia-noite, no Jazz nos Fundos, em Pinheiros. Um momento de se ver um dos pioneiros no violino popular do País, cruzando sua bagagem técnica da música clássica com o universo mais enraizado da música popular brasileira. Algo que resulta em uma linguagem com alto potencial de comunicação, mesmo quando toca jazz.

Nicolas Krassik tem credenciais de grandeza quase impronunciáveis. É formado em interpretação clássica pelo Conservatoire National de Region d’Aubervilliers-la Courneuve, estudou jazz no C.I.M. (Centre de Fomation Musicale de Paris) e ouviu muito a santíssima trindade francesa ao violino jazzístico, de Stéphane Grappelli, Jean Luc-Ponty e Didier Lockwood. Este último foi o primeiro a pirar o garoto de Maisons-Alfort, na periferia de Paris, onde nasceu. Lockwood em uma formação de jazz-rock era a liberdade que Krassik procurava. O rock veio primeiro, a música brasileira viria depois.

Um amigo flautista apaixonado por música brasileira foi a mão que lhe abriu uma nova porta. Krassik começou a frequentar núcleos de cultura brasileira em Paris e gostou do que viu. “Era a época da lambada. Gostei muito daquela dança. Acabei também fazendo capoeira por cinco anos.”

Ao decidir viajar ao Brasil, ele não pensou que poderia se estabelecer na América do Sul. O único violinista que poderia fazê-lo se sentir menos alienígena em um cenário de violões de sete cordas, percussionistas e cantoras, Ricardo Herz estava no contrafluxo, partindo para estudar em Paris. “Todos me falavam que não existia violino nesse meio, com raras exceções, como Fafá Lemos, dos anos 40.” Seguindo o instinto, decidiu mudar a postura tímida que o impedia de participar das jam sessions parisienses e partir para o tudo ou nada. Na Lapa, perto dos Arcos, decidiu levar seu violino ao Bar Semente, onde diziam estar nascendo a nova cena da música carioca. Mesmo que ele não fizesse ideia de quem seria quem naquela noite, era lá o lugar onde deveria estar.

Muita gente boa estava no pequeno palco do Semente naquela noite. Zé Bigorna, Zé Paulo do Cavaquinho e toda a gente que entrava e saía. Quando a jam session acabou, o palco ficou livre para Yamandú Costa subir, com o devido silêncio respeitoso da plateia. Krassik não sabia quem era, mas sentiu que seria seu momento. Solicitou com os olhos a permissão, apanhou o violino e passou bons momentos de improviso ao lado do violonista. “Improvisamos um bom tempo ali, eu tocando músicas que nem faço ideia de quais eram”, diz ele. Não sabia quais eram as músicas nem quem era Yamandú, e talvez nem precisasse. Falava a língua dos músicos com tamanha destreza que já jogava em seu time.

Hoje, aos 48 anos, Krassik acaba de trocar o Rio de Janeiro por São Paulo. Pensou seriamente em partir para a Europa, em um momento de desânimo com os rumos do País, mas sentou-se para refletir e mudou de ideia. “Estava me decidindo por isso, até pensar em qual lugar eu estaria mais feliz. Não há outro lugar.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.