A onda de violência que registrou somente hoje (2), até o momento, oito ônibus e dois caminhões incendiados na zona norte do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, é resultado do processo de aumento de indicadores de criminalidade que o estado vem vivendo desde o ano passado, combinado com ausência de respostas por parte do setor de segurança pública. A avaliação foi feita à Agência Brasil pela coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, Silvia Ramos.
Segundo a coordenadora do Cesec, “os criminosos percebem que tem um vácuo na segurança, seja no projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) diretamente nas favelas, seja praticando assaltos e roubos em ruas e vias da cidade e eles ganham território”. Silvia Ramos argumentou que na medida em que o setor de segurança responde localmente, trocando tiros com os criminosos, e não com políticas de planejamento e de inteligência, desarticulando quadrilhas, “esse resultado é uma espécie de equação matemática”.
Se há retomada das ruas por criminosos e ausência de políticas de segurança, o resultado pode ser o que a população do Rio de Janeiro viu nesta terça-feira, reforçou. No episódio de hoje, Silvia indicou que houve um confronto local com a polícia e os bandidos responderam com mais agressividade. “Mas o quadro é o mesmo que nós estamos tendo há algum tempo”. É preciso, reiterou, que o setor de segurança responda à violência com políticas de inteligência e com planejamento “e não só resolvendo um incêndio a cada dia”.
UPPs
Para a doutora em sociologia e pesquisadora da Diretoria de Análise de Pesquisas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV), Maria Isabel Couto, o quadro visto hoje é muito difícil. Estudo lançado pela DAPP traça o espalhamento da mancha criminal no estado do Rio de Janeiro nos últimos dez anos e constata retrocesso de todos os indicadores de segurança pública e de criminalidade em relação à melhora observada no início do período.
“A gente teve, de fato, durante um período, uma política de segurança pública que foi muito bem- sucedida em conter a violência e reduzir indicadores. A partir de um certo momento, porém, ela começou a fazer água”, comentou. Maria Isabel disse que a principal hipótese para o fracasso da política foi um erro de gestão. Em um determinado ponto, a política de UPPs, que era o símbolo da política de segurança pública do estado, resultou em um “descompromisso da política das UPPs, que era abrir mão da cultura de enfrentamento e da guerra de drogas e pensar em uma mudança na cultura do policiamento, na relação com as comunidades e em investimentos sociais”.
A pesquisadora da DAPP-FGV lembrou que havia, à época, um grande programa nacional de segurança pública, que incentivava os estados a investirem no policiamento comunitário e na prevenção da violência e, a partir de 2011, todos eles começaram a apontar desgastes, com as UPPs de modo mais acentuado.
Recado
“Isso manda um recado. Se o tráfico estava mais contido, se o fato de a política de segurança estar melhor sucedida, se isso apontava que existia uma gestão mais séria, mais eficiente da segurança pública, a partir do momento que a gente tem um avanço mais eleitoreiro do que sustentável, que se preocupa menos com a capacidade do programa do que quanto o programa é bem-visto, algumas ações vão dar errado”, indicou.
Em termos práticos, Maria Isabel disse que quando há a ocupação por UPPs de grandes complexos de favelas mais difíceis de serem pacificados, onde os traficantes não desapareceram por completo, isso sinaliza para o traficante que a UPP tem limites. “E isso acaba abrindo uma porta de entrada”.
Esclareceu que o programa foi expandido pensando muito na quantidade de homens que podiam cobrir os territórios, o que gerou um ‘déficit’ em outros lugares. A partir do momento que o programa começou a avançar muito, territórios que antes eram considerados pacificados apresentaram problemas. Em 2013, recordou, houve um enfrentamento entre dois comandos de tráfico de drogas nos morros Chapéu Mangueira e Babilônia. Outras comunidades, como Borel, também mostraram problemas. “Isso começa a apontar para o esgotamento do programa. E a partir do momento que o programa se mostra esgotado, os grupos criminosos ganham mais força.”
Segundo Maria Isabel, é muito difícil pensar em uma solução instantânea para a segurança pública do Rio de Janeiro. A principal coisa a se fazer agora é “fazer o dever de casa, planejar”, sugeriu. É preciso ver qual é a situação da segurança pública em todo o estado, porque antes se deu mais atenção à capital do que ao restante do estado. “Isso se mostrou insustentável”.
Maria Isabel afirmou que é necessário entender qual é a situação geral do setor no estado como um todo e trazer outros órgãos para auxiliar que não sejam somente as polícias e a secretaria de segurança, porque “vai precisar de investimento social pesado e precisar planejar quais as áreas que precisam de uma atenção mais imediata e por quê”.
É um trabalho difícil, acentuou, porque envolve ações que não trazem retornos imediatos.