O problema do assédio às mulheres no Marrocos ressurgiu depois da divulgação nas redes sociais de um vídeo em que se vê um grupo de rapazes perseguindo uma moça que caminhava sozinha na rua.

A ação dura cerca de 10 segundos: pode-se ver uma mulher usando calça jeans e camiseta, aparentemente assustada, sendo perseguida por diversos homens que tentam cercá-la em uma avenida de Tânger.

As imagens suscitaram reações opostas nas redes sociais. Enquanto alguns desaprovavam a atitude dos homens, outros criticavam a vítima por considerar a sua vestimenta “indecente”.

“Pode andar nua se quiser, mas não em nossa cidade conservadora!”, comentou um internauta. “Teve o que merecia”, escreveu outro.

Mas os meios locais e defensores dos direitos humanos condenaram imediatamente o assédio à jovem.

Em um país que se apresenta, segundo os discursos oficiais, como baluarte de um Islã tolerante e onde as mulheres não são obrigadas a usar o véu, caminhar sozinha pelas ruas às vezes se torna uma odisseia: em muitos casos sofrem com comentários desagradáveis e insultos.

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“Estou tão escandalizada com esta agressão violenta e coletiva quanto com as reações que colocam a vítima como culpada por sua roupa supostamente provocativa […]”, declarou à AFP Nouzha Skalli, militante pela igualdade de gênero e ex-ministra responsável pelos direitos das mulheres.

– “Esporte nacional” –

Mustapha Ramid, ministro de Estado encarregado dos direitos humanos, admite, em declarações à AFP que a lei marroquina “condena o assédio às mulheres no trabalho, mas não nos espaços públicos”.

Entretanto, assegura que um projeto de lei “completo” que penaliza a violência contra a mulher, que inclui pela primeira vez o assédio nos locais públicos, está sendo adotado no Parlamento.

Enquanto isso, os meios de comunicação alertam sobre este fenômeno. “A perseguição coletiva de uma jovem marroquina volta a colocar em primeiro plano o problema do assédio sexual”, escreve o site de notícias Hespress.ma, o mais lido do reino.

“Assédio sexual, esporte nacional no Marrocos?”, questiona o site Ladepeche.ma.

Em termos de violência de caráter sexual ou sexista, o Marrocos apresenta um balanço lamentável: quase duas em cada três marroquinas são vítimas da violência, segundo cifras oficiais. E os espaços públicos são os locais onde a violência física contra elas é mais evidente.

“É uma verdadeira crise de valores em nossa sociedade”, afirma, preocupada, Khadija Ryadi, ex-presidente da Associação Marroquina de Direitos Humanos (AMDH), e vencedora do prêmio da ONU pelos direitos humanos em 2013.

“Há mulheres agredidas nas ruas, humilhadas, insultadas. Em determinadas horas da noite, se converte em um estado de sítio para elas”, diz à AFP.

– “Hegemonia dos homens” –

No centro de Rabat há poucas mulheres sentadas nos terraços dos incontáveis cafés que dominam o famoso Boulevard Mohammed V.


“E ainda assim! Estamos em um bairro muito chique. Nos bairros populares as mulheres são excluídas do espaço público!”, critica Sara, de 30 anos, moradora do bairro. “Isso dá uma ideia da hegemonia dos homens”.

Uma “cultura tradicional” que considera os locais públicos como reservados aos homens e “a presença das mulheres como uma intrusão indevida”, explica Nouzha Skalli.

Como contexto há as contradições de uma sociedade que vive entre a modernidade e o conservadorismo.

De um lado “a liberalização dos costumes que legitimam o atrativo sexual para as mulheres e tira a culpa dos flertes”, e de outro “a propagação de uma ideologia misógina e agressiva, que as acusa de se vestir de maneira provocativa e as considera responsáveis”, analisa a ex-ministra.

Nos últimos dias, vários casos de assédio estamparam as manchetes, especialmente nas praias onde as mulheres hesitam cada vez mais em colocar os trajes de banho.


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