O Parlamento da Venezuela, de maioria opositora, aprovou nesta terça-feira dar início a um julgamento “político e penal” contra Nicolás Maduro para determinar sua responsabilidade na “ruptura do fio constitucional” com a suspensão do referendo revogatório, ao que o presidente reagiu com a convocação do Conselho de Defesa para enfrentar o “golpe parlamentar”.

A Assembleia Nacional aprovou dar início a um procedimento contra Maduro e determinou que uma comissão prepare um estudo “sobre a responsabilidade” penal e política e “o “abandono do cargo” – uma figura prevista na Constituição quando o presidente deixa de exercer suas atribuições.

Qualificando-o de “julgamento político”, embora o mesmo não esteja previsto na Carta Magna, os deputados também acordaram em convocar Maduro para a sessão da próxima terça-feira, para que “se submeta ao escrutínio do povo” e responda às acusações.

A proposta foi apresentada pelo líder da bancada opositora, Julio Borges, que a justificou na declaração que o Parlamento fez no domingo de que o freio ao referendo configurou um “golpe de Estado” no país petroleiro.

O ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, acompanhado do alto comando militar, rechaçou a declaração do Parlamento e reiterou sua “lealdade incondicional” a Maduro.

Pouco antes da votação, o deputado Diosdado Cabello, número dois do chavismo, tinha qualificado a iniciativa de “absurdo”, lembrando que o Parlamento foi declarado em “desacato” pela justiça e suas decisões, consideradas nulas.

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“Isto é uma ópera bufa, não passa de um mecanismo de desestabilização para gerar caos e exasperação”, afirmou o deputado governista Pedro Carreño, durante o debate parlamentar.

Após retornar, nesta terça-feira, de uma viagem que o levou à Europa e ao Oriente Médio, Maduro liderou uma manifestação de seus simpatizantes em Caracas, durante a qual convocou as mais elevadas autoridades de defesa e dos poderes públicos para avaliar o que chamou de “golpe parlamentar” da oposição.

“No uso das minhas atribuições” – disse Maduro – “convoquei para amanhã (quarta-feira) às 11 da manhã (13H00 de Brasília) o Conselho de Defesa da Nação, todos os poderes públicos para avaliar o golpe parlamentar da Assembleia Nacional”, informou Maduro durante o ato.

O constitucionalista José Ignacio Hernández destacou à AFP que embora um julgamento político não esteja expressamente previsto na Constituição, a figura de “responsabilidade política” está.

O conflito político se intensificou após a suspensão, em 19 de outubro, do referendo revogatório contra Maduro, em um país que sofre com uma severa crise econômica, grave escassez e uma inflação que o FMI estima em 475% para este ano.

Divisões

A coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), que controla o Parlamento, tomou a decisão do julgamento político de forma unânime, apesar de mostrar divisões a respeito da abertura de um diálogo com o governo, anunciado pelo enviado do Vaticano a Caracas, Emil Paul Tscherrig, núncio apostólico na Argentina.

“Até que não se restitua a ordem constitucional, é impossível realmente que haja um processo de diálogo (…) Não vamos cair no jogo do governo, que quer nos dividir”, disse o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, reiterando a convocação de um protesto nacional na quarta-feira.

Segundo Tscherrig, durante reunião entre delegados do governo e o secretário da MUD, Jesús Torrealba, a primeira em dois anos e meio de crise, foram definidos “temas, metodologia e cronograma” para iniciar o diálogo no domingo na Ilha Margarita (norte).

Mas pouco após este anúncio, Capriles e outros dirigentes dos três principais partidos da MUD, como o líder parlamentar Henry Ramos Allup e o detido Leopoldo López, disseram ter sabido pela televisão da reunião na Ilha Margarita.

Durante a marcha desta terça-feira, Maduro anunciou que irá pessoalmente à ilha Margarita para a instalação do diálogo com a oposição.


“Vou continuar insistindo no diálogo e eu mesmo vou à mesa dialogar com todos os atores que estiverem ali”, afirmou Maduro.

Oficialmente, a MUD ainda não rejeitou o início das conversações no domingo, mas pôs como condição que seja em Caracas. “Se alguns querem ir e outros não, é um fracasso. Temos que conseguir que toda a Unidade tome a decisão”, declarou Borges.

“Que falta de respeito com o país! Este é parte do problema, tomam uma decisão política e logo a mudam. Uma barbaridade”, afirmou o líder governista, Héctor Rodríguez, no Parlamento, apoiado por Cabello, para quem a “direita venezuelana não tem palavra e está muito dividida”.

O anúncio de Tscherrig ocorreu simultaneamente a uma reunião que Maduro teve no Vaticano com o papa Francisco ao concluir uma viagem pelo Oriente Médio, que o levou também a se encontrar em Lisboa com o próximo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.

Tanto a MUD quanto o chavismo têm reiterado suas agendas opostas.

Os opositores apontam como objetivo do diálogo o “direito ao voto, a liberdade dos presos políticos, a atenção à crise humanitária e o respeito à autonomia dos poderes, pois acusa o poder judiciário e eleitoral de serem aliados do governo.

Enquanto isso, Maduro afirmou que para o governo interessa que a oposição abandone o “caminho do golpismo” e respeite os poderes públicos.

CIDH denuncia limitação de direitos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denunciou a extensa série de limitações dos direitos políticos na Venezuela.

“Através da aplicação da lei ou à margem dela, estão impondo sérias limitações ao pluralismo no exercício dos direitos políticos e na liberdade de expressão”, declarou a CIDH, pedindo à Venezuela que cumpra com suas obrigações internacionais em relação aos direitos humanos.

O comunicado cita diversas ações do Estado venezuelano para criar “obstáculos” à participação em eleições “livres e confiáveis” e na direção da “progressiva supressão de faculdades constitucionais” do Congresso, além da detenção de dirigentes políticos, repressão a protestos e ações judiciais contra a imprensa crítica.

A CIDH, órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), assinalou que estas ações são “dirigidas a fechar os espaços vitais de participação política e perseguir os que exercem seu direito de liberdade de expressão”.



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