Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, fundadores do Mercosul, decidiram neste sábado (5), de forma unânime, suspender a Venezuela por “ruptura da ordem democrática”. É a segunda vez que o bloco aplica essa decisão contra um país-membro desde a sua criação.
“A suspensão da Venezuela foi aplicada em função das ações do governo de Nicolás Maduro e é um chamado imediato para o início do processo de transição política e restauração da ordem democrática”, diz o comunicado assinado pelos ministros após uma reunião em São Paulo.
“Estamos dizendo ‘parem com isso’, chega de mortes, chega de repressão”, disse o ministro de Relações Exteriores Aloysio Nunes, em coletiva de imprensa ao final do encontro.
Após a suspensão, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse que seu país “nunca” será tirado do bloco e proferiu duras críticas.
“Não vão tirar a Venezuela do Mercosul. Nunca (…) Algumas oligarquias golpistas, como a do Brasil, ou miseráveis, como a que governa a Argentina, poderão tentar mil vezes, mas sempre estaremos aí”, afirmou Maduro em declarações à Rádio Rebelde da Argentina.
– Caracas reage, OEA apoia –
Em um comunicado lido pelo chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, a Venezuela protestou “energicamente” contra a decisão. “Pretendem aplicar ilegalmente na Venezuela o protocolo de Ushuaia sobre o compromisso democrático do Mercosul”, disse.
“A Venezuela ratifica enfaticamente que é improcedente a aplicação do protocolo de Ushuaia toda vez que se fundamenta em falsas suposições, em presunções ilegítimas”, acrescentou.
A presidente da Assembleia Constituinte, a ex-chanceler Delcy Rodríguez, qualificou de “insolente” a “decisão nula”, que, disse, transforma o Mercosul em “um maquinário, um órgão de perseguição política”.
Uma expulsão não está contemplada no Protocolo do Ushuaia, nem é a intenção, afirmou Nunes. “Queremos que a Venezuela volte”, explicou.
Nunes apontou que o Executivo venezuelano foi instado a dialogar “seriamente” com a oposição. “Não uma fachada. Diálogo objetivo para chegar a um governo de transição para o restabelecimento da democracia”, disse o titular do Itamaraty.
“Essencialmente, o Mercosul está dizendo ‘sem democracia, não'”, pontuou seu par argentino, Jorge Flaurie. “Chegamos a essa decisão com muita convicção”.
“Não são medidas tomadas com alegria, porque estamos constatando a ruptura institucional de um país (…) que também acolheu muitos latino-americanos durante nossas ditaduras” nos anos 1970 e 1980, apontou o chanceler do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, na coletiva.
O ponto de ruptura foi a eleição no domingo passado de uma Assembleia Constituinte promovida por Maduro, questionada pela comunidade internacional, e a volta à prisão de Leopoldo López e Antonio Ledezma, que estavam em prisão domiciliar. Ledezma voltou para casa na sexta.
A Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiou a decisão do Mercosul.
“A decisão adotada pelos governos de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai representa uma expressão exemplar em defesa dos princípios que unem nossos países e transmite uma mensagem de esperança e apoio ao povo da Venezuela no momento em que luta por suas liberdades e seus direitos”, destacou, em um comunicado, a entidade comandada pelo uruguaio Luis Almagro, um duro crítico do governo Maduro, que denunciou a eleição da Constituinte como uma “tremenda fraude”.
“Nas Américas não há lugar para as ditaduras, nem para os tiranos que as dirigem”, prosseguiu o texto da Secretaria da OEA.
– Medida política –
Essa é a segunda vez que o Mercosul, fundado em 1991, aplica essa cláusula assinada em 1998 no Ushuaia, na Argentina, ratificada e ampliada em 2011. Ela estipula que “a plena vigência de instituições democráticas é essencial” para a integração regional.
Na prática, essa decisão muda em pouco, ou nada, a situação do país no grupo, já que a Venezuela se encontra suspensa do Mercosul desde dezembro por descumprir obrigações comerciais, com as quais se comprometeu ao se incorporar ao bloco em 2012.
A suspensão do Paraguai após a destituição do presidente Fernando Lugo permitiu a entrada da Venezuela no bloco, pois o Congresso paraguaio não tinha aprovado a adesão do país. O Paraguai voltou ao Mercosul após a eleição de Horacio Cartes em 2013.
Consultado sobre a possibilidade de aplicarem sanções econômicas a Caracas, Nunes insistiu que se trata de uma medida política e que impedir importações, essencialmente de alimentos, só agravaria a situação dos venezuelanos.
Um grupo protestou contra Maduro na entrada da Prefeitura de São Paulo, onde aconteceu a reunião. O prefeito da cidade, João Dória, participou da coletiva de imprensa e manifestou solidariedade aos ex-prefeitos venezuelanos Ledezma e López.
“Que sejam libertados imediatamente e tenham seus direitos restituídos”, pediu Dória.