Invasões, sequestros, assaltos à mão armada. Nem mesmo a representação do governo brasileiro na Venezuela ficou imune à rotina de violência que há tempos domina o país vizinho. Mensagens que vieram a público na semana passada relatam agressões sofridas por funcionários e usuários do consulado do Brasil em Caracas e evidenciam o temor de novos ataques. Trata-se de um medo justificado. A Venezuela vive a pior situação social de sua história, alimentada pela combinação de uma crise econômica sem precedentes, uma ditadura comandada por Nicolás Maduro e a ausência de instrumentos de Estado capazes de conter os ataques.

Os incidentes envolvendo o Consulado-Geral do Brasil em Caracas, capital venezuelana, foram expostos em telegramas enviados ao Brasil pela consul-geral Elza Marcelino de Castro e pelo embaixador Ruy Pereira. Em um deles, de junho de 2016, Elza se queixa da pouca segurança na residência que abriga a sede da chancelaria, localizada no bairro de Altamira, onde também estão representações diplomáticas de outros países. Ela escreve que o local não possui “sistema de câmeras de ampla cobertura e dotado de tecnologia que assegure melhor resolução de imagens; detector de metal ou portões eletrônicos com dispositivos para impedir a entrada de indivíduos mal-intencionados”. Uma foto tirada em 2013 mostra paredes de tijolos em dois portões. Em outras mensagens, ela descreve a invasão do consulado por homens armados em plena tarde, em um ataque orquestrado que se valeu de três carros e várias motos.11

Crimes de fome

Em um telegrama transmitido em junho de 2014, o embaixador Pereira conta o caso do sequestro da funcionária brasileira Irlanda Chalbaud. Nas mensagens que os representantes brasileiros enviaram, há também menções a assaltos em casas de funcionários, com agressões físicas.

A Venezuela é o segundo país mais violento do mundo, perdendo apenas para El Salvador. Segundo o Observatório Venezuelano de Violência (OVV), só em janeiro 2,5 mil pessoas foram assassinadas. Os crimes crescem na mesma proporção em que se elevam os preços e a escassez de alimentos e de remédios. Entre os anos de 2015 e 2016, a inflação no preço dos alimentos alcançou a marca de 552%. Por essa razão, nos últimos meses a entidade registrou o crescimento dos crimes por fome. Em seu relatório anual, a OVV aponta ainda o aumento de grupos de crime organizado, entre eles aqueles ligados ao narcotráfico.

SEM PROTEçÃO Telegramas enviados do consulado informam incidentes sofridos por funcionários e usuários. Na sede, paredes de tijolos protegiam os portões
SEM PROTEÇÃO Telegramas enviados do consulado informam incidentes sofridos por funcionários e usuários. Na sede, paredes de tijolos protegiam os portões

A situação é considerada dramática. “Toda crise humanitária implica tragédia social para um país”, disse à ISTOÉ Carolina Jiménez, diretora-adjunta de Investigações para a América Latina da Anistia Internacional. Na quarta-feira 22, a organização divulgou um balanço da situação social e das questões relativas aos direitos humanos na Venezuela. Nele está registrado um retrato da precariedade de assistência a qual o povo venezuelano está relegado. “Lamentavelmente, a resposta do governo tem sido o incentivo de esquemas de segurança que são mais repressivos. Em vez de proteger os cidadãos mais marginalizados, os ataca impunemente”, lamenta Carolina.

A entidade cita, por exemplo, a Operação de Libertação e Proteção do Povo, a OLP. O Ministério Público do País investiga a morte de 245 pessoas que teriam sido atingidas em enfrentamentos com os militares integrantes dessa força criada por Maduro. Em novembro do ano passado, doze cadáveres foram encontrados em fossas clandestinas no povoado de Barlovento. “Eram doze jovens que haviam sido detidos arbitrariamente durante uma operação da OLP”, conta Carolina.

14Politicamente, o quadro na Venezuela continua muito difícil. Liderada por Leopoldo López, preso há três anos, a oposição tenta agora pressionar pela convocação de eleições para governadores e presidente. O pleito para governadores estava marcado para dezembro do ano passado, mas foi adiado.

O esquema montado por Maduro, que conta com um Poder Judiciário afável às suas medidas descabidas, dificulta os avanços e empurra o país para uma guerra civil. “Sem o reconhecimento por parte do próprio estado venezuelano da existência e da magnitude da crise fica muito complicado buscar e promover soluções para esta grave situação”, afirma Carolina.