O escritor Vargas Llosa durante evento nesta quinta-feira, 12
O escritor Vargas Llosa (ao centro) durante evento nesta quinta-feira, 12 (Crédito:Agência ISTOÉ)

“Não, golpe não”, apressou-se a dizer à ISTOÉ Mario Vargas Llosa, com a testa franzida e o tom enfático. No Brasil desde o início da semana, o escritor peruano respondia à indagação se fazia sentido para ele que Dilma Rousseff fora vítima de um golpe, de uma injustiça e uma farsa legislativa, como a própria presidente afastada discursara horas antes, naquela manhã. “Dilma não sofreu golpe. Foram respeitadas as instituições e os rituais dentro da legalidade brasileira. Não vejo nenhuma possibilidade da democracia ter sido agredida, pelo contrário, a democracia brasileira sai reforçada com isso.” O Prêmio Nobel de literatura deixava o auditório do Insper, em São Paulo, após palestrar por duas horas à convite do Instituto Palavra Aberta, na noite de ontem, quinta-feira, 12 de maio, data que ficou para a história do Brasil.

A pergunta de Joaquim Barbosa
O tema era “80 anos de liberdade”. No palco, Vargas Llosa contava como, de comunista, passou a liberal. Como passou a admirar Karl Popper, filósofo defensor da democracia liberal, anos depois de cultuar Karl Marx. Como admirava Cuba e como passou a entender que uma sociedade perfeita, sem desigualdades, era um ideal impossível. Mas, à certa altura, impossível mesmo foi não falar, naquela noite, do momento brasileiro no dia em que a presidente Dilma Rousseff, afastada, deixou o Palácio do Planalto, e Michel Temer assumiu a presidência da República.

Da plateia, choveram papeizinhos com perguntas sobre o Brasil. Na sétima cadeira da segunda fileira estava o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Saudado pelo filósofo Fernando Schuler, professor titular da cátedra Insper Palavra Aberta, que mediava a palestra, o ex-ministro do supremo foi convidado a fazer a única pergunta da plateia que não precisou ser redigida e entregue. “Certamente, o ministro tem uma grande parcela de responsabilidade pelo que está acontecendo neste momento positivo do Brasil”, disse o moderador, oferecendo-lhe um microfone.

Tocando a ferida
Aplaudidíssimo, levantou-se e falou ao microfone. O tom foi de crítica. “Minha pergunta é simples. O sr. não vê o barateamento da cultura e um certo barateamento da política? O espetáculo que o Brasil assistiu nas últimas semanas, a meu ver, é uma demonstração muito clara dessa encenação”, disse Barbosa, em português, prosseguindo. “A falta de sinceridade absoluta naquilo que os nossos representantes expressaram. Uma das coisas que mais impressionaram em todo esse drama que o Brasil está vivendo foi a falta de um debate real sobre as questões que estavam e estão ainda em jogo.”

Joaquim Barbosa se levanta e faz pergunta a Vargas Llosa
Joaquim Barbosa se levanta e faz pergunta a Vargas Llosa (Crédito:Agência ISTOÉ)

A resposta de Vargas Llosa
Sentado entre os mediadores, Vargas Llosa respondeu, após uma breve tradução para o espanhol: “Essa questão que está ocorrendo no Brasil, certamente parece levar o país ao caos, e pode significar uma destruição das instituições tutelares da sociedade brasileira. Mas eu tenho uma visão mais otimista que esta”, afirmouo escritor peruano. “Há uma mobilização em defesa de uma democracia distinta, menos corrupta, mais transparente e mais responsável. Uma democracia que não permita os homens do poder enriquecer-se. São atitudes que reforçam e trazem uma regeneração da democracia”.

Vargas Llosa comparou o Brasil atual com o que acontecia na América Latina há 20, 30 anos, “quando havia mobilizações populares porque queriam acabar com a democracia’. Mas, para o Prêmio Nobel, nada disso se vê no País hoje. “Se vê um caminho de purificação nas instituições que existem. E isso me parece intrinsicamente positivo. Há um movimento pelo saneamento da corrupção. Como isso não é positivo? É profundamente positivo. A corrupção é um problema muito sério não só na América Latina. É uma gangrena que faz o seu trabalho, internamente, nas entranhas do poder.”

“Como isso não é positivo?”
Vargas Llosa repetiu: “Como isso não é positivo? É profundamente positivo para uma democracia gangrenada pela corrupção. É um sistema que desencanta tremendamente. A mim me parece que isto resulta numa purificação da sociedade brasileira em boa hora”, finalizou, sob aplausos. Soou como contestação a um discurso pessimista. O ministro não pediu réplica, mas o escritor parecia não ter entendido onde Joaquim Barbosa queria chegar.

Na tarde do mesmo dia, o ex-presidente do Supremo fizera críticas veementes contra o impeachment. O então relator do processo do mensalão disse, entre outras coisas, que o afastamento de Dilma era “destituído de legitimidade profunda”. “Do ponto de vista puramente legal, está tudo certo, mas não é assim que se governa um país. Isso precisa de nós, o povo. Radicalmente a favor da convocação de novas eleições, Barbosa afirmou que “o Brasil terá de conviver por mais dois anos com essa anomalia”, afirmou Barbosa em um evento na tarde da mesma quinta-feira 12.

Esclarecendo
Depois de falar sobre os “roubos” do ex-presidente peruano Fujimori, eleições no Peru, a crise dos refugiados, entre outros temas, Vargas Llosa foi convidado por outro mediador, o professor Carlos Melo, a voltar às observações de Joaquim Barbosa. O professor do Insper esclareceu que o relator do mensalão no Supremo não criticava exatamente aquele ponto, ao contrário. Ele esclareceu que o ex-ministro do STF apontava para crise do sistema político que não avança, e para a crise da representação e das lideranças políticas no Brasil.

“A política não atrai os melhores”
Vargas Llosa, então, completou: “A política não atrai nem escolhe os melhores, a política não atrai os mais capazes. Ao contrário. A política lhes parece algo sujo, ineficiente medíocre”. Para o escritor, é urgente mudar esta mentalidade. “Temos que mostrar que a política pode ser uma matéria criativa, enormemente generosa, e que pode transformar uma sociedade e diminuir as injustiças, criar uma sociedade mais justa. Isso pode ser possível e uma experiência enormemente enriquecedora”.

Sentado na plateia, Joaquim Barbosa ouvia. Ao final da palestra, não houve tempo para o ministro cumprimentar o escritor, que deixou o auditório rapidamente rumo a um jantar oferecido pela TV Globo. Entre pedidos de fotos e selfies de fãs e estudantes, Joaquim Barbosa demorou a deixar o auditório. O professor Carlos Melo perguntou se a colocação que fizera havia sido esclarecida no segundo momento. Barbosa foi gentil e concordou que Vargas Llosa não havia entendido a sua pergunta. “Eu quis comparar a espetacularização da arte com a espetacularização da política”, comentou. “Ele vê por um lado bom, pelo combate à corrupção, que é muito importante. Mas ele não tem ideia do que está se instalando no Brasil.”

Apaixonado
Vargas Llosa encerrou a palestra para o Instituto Palavra Aberta falando sobre algumas de suas obras, populismo, terrorismo, Donald Trump, Nicolás Maduro e sobre liberdade de imprensa. Criticou a espetacularização do jornalismo de escândalos, voltado ao entretenimento e à intimidade de personalidades públicas – em alusão a sua recente separação para assumir o romance com a socialite e ex-modelo Izabel Preysler, ex-mulher de Julio Iglesias. Comentou ainda sobre Donald Trump e os riscos de tê-lo na presidência dos Estados Unidos, Nicolás Maduro e a situação trágica da Venezuela. O escritor, que em sua recente festa de 80 anos em Madri dedicou sua felicidade à namorada, riu de uma das ultimas perguntas, em referência a um de seus personagens. Todo apaixonado é um tonto? Ele contestou, afinal o apaixonado “alcançou o paraíso”. “O que querer mais?” A plateia respeitosa aplaudiu.