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A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou na semana passada resultados bastante expressivos na produção de um anticoncepcional masculino. Em um estudo multicêntrico que envolveu 320 participantes, a combinação de duas injeções hormonais mostrou eficácia de 96%, um dos maiores índices de efetividade obtidos ao longo dos últimos quarenta anos de pesquisas em busca de uma alternativa de contracepção que possa ser usada pelos homens além da camisinha e da vasectomia. A taxa de gravidez de 1,57 por cem usuários é comparável à da pílula feminina, de menos de uma gestação por cem mulheres.

O contraceptivo consiste em duas injeções, cada uma com hormônios diferentes. A primeira carrega um tipo sintético de progesterona de longa duração. A substância bloqueia a produção de espermatozoide pela glândula pituitária, localizada no cérebro. A segunda, de testosterona, repõe o hormônio – responsável pelas características masculinas – cuja fabricação acaba atingida pela primeira injeção.

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O urologista Dr. Carlo Passerotti, coordenador do Centro de Cirurgia Robótica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo

O remédio foi testado sob a coordenação da OMS (veja abaixo). O resultado deixou os coordenadores entusiasmados. “As injeções foram efetivas para supressão da produção de espermatozoide, induzindo a um elevado efeito contraceptivo”, à ISTOÉ disse o médico Doug Colvard, um dos líderes do experimento, cujos detalhes foram publicados na última edição do Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, a publicação mais importante da área de endocrinologia.

A nota preocupante foi a ocorrência de alguns efeitos colaterais mais sérios. Entre os amenos, estavam o ganho de peso e o surgimento de acne, mas registrou-se casos de mudança de humor – depressão, principalmente -, arritmia cardíaca e hipertensão. Apesar das ocorrências, três em cada quatro participantes disseram que continuariam usando o medicamento se já estivesse disponível.

A próxima etapa é reduzir os efeitos colaterais e trabalhar para que o contraceptivo esteja pronto para uso dentro de dois anos. A chegada ao mercado de um produto do gênero será mais um divisor de águas na história da sexualidade humana, a exemplo do que representaram a pílula feminina e as drogas para tratar a disfunção erétil. A pílula revolucionou as relações homem-mulher ao permitir, pela primeira vez, que elas tivessem total controle sobre a decisão de engravidar ou não. Surgido nos anos 1960, o medicamento foi uma resposta da ciência a um anseio que ganhou força vinte anos antes, quando a Segunda Guerra Mundial mudou definitivamente o papel da mulher na sociedade ao tirá-la de dentro de casa para o mercado de trabalho. A chegada do Viagra, em 1998, e depois dos outros remédios da mesma categoria, trouxe para a discussão aberta a impotência, um dos principais tabus masculinos.

O anticoncepcional masculino trará mais igualdade nas relações em um momento no qual homens e mulheres desejam mais equidade. Elas, na responsabilidade pela contracepção. Eles, no poder de evitar gestações indesejadas. “A possibilidade de decisão fica também com ele”, afirma o urologista Carlo Passerotti, coordenador do Centro de Cirurgia Robótica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Há um caminho ainda extenso até o uso se tornar cotidiano. Em primeiro lugar, o homem precisa entender que suspender a capacidade reprodutiva nada tem a ver com perda de virilidade. “Muitos fazem essa confusão. Vários, por exemplo, não se submetem à vasectomia por causa desse entendimento equivocado”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo. “O procedimento continua sendo um tabu”, concorda o urologista Marcelo Gava, do Hospital e Maternidade São Cristóvão, de São Paulo.

Outra questão é conciliar a liberdade de controlar diretamente a hora de ter um filho com a responsabilidade de não transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. O contraceptivo não exclui a necessidade do preservativo, especialmente em um momento no qual se observa o recrudescimento de enfermidades como sífilis e Aids. Esses aspectos levam a uma ponderação muito pertinente. “Será que o mundo está preparado para essa nova revolução?”, indaga a psiquiatra Carmita.

ALTA EFICÁCIA

OBJETIVO
Testar a segurança e a efetividade da injeção

PRIMEIRA ETAPA
Envolveu 320 homens entre 18 e 45 anos que mantinham relações monogâmicas com parceiras entre 18 e 38 anos há pelo menos 1 ano

Não tinham doenças sexualmente transmissíveis e apresentavam contagem normal de espermatozoide

As mulheres não apresentavam problemas reprodutivos

Os casais foram instruídos a ter relações sexuais pelo menos 2 vezes por semana

A cada dois meses, os homens receberam duas injeções: uma com 200 miligramas de progesterona de longa duração e outra, com 1 mil miligramas de testosterona

O esquema foi aplicado ao longo de 26 semanas para reduzir a taxa de espermatozoide

Amostras de sêmen foram obtidas depois de 8 e 12 semanas nessa fase de supressão e, depois, a cada 2 semanas até que contagem de espermatozoide de cada participante atingisse a concentração de menos de 1 milhão por mililitro em 2 testes seguidos

Até essa etapa, os casais foram orientados a usar outros métodos contraceptivos não hormonais

SEGUNDA ETAPA
O objetivo foi medir a eficiência do produto

Por isso, os casais usaram apenas as injeções como forma anticoncepcional

Os homens receberam o remédio a cada 2 meses por mais de 14 meses

Amostras de sêmen foram coletadas a cada 8 semanas para que os cientistas se certificassem que a quantidade de espermatozoide continuava baixa

RESULTADOS
Entre os 320 voluntários que receberam pelo menos uma dose, houve diminuição da contagem de espermatozoide para 1 milhão por mililitro ou menos em 274 homens ao final de 24 semanas

O contraceptivo foi efetivo em 96% dos que continuaram sua utilização, com total de apenas quatro gestações antes da 16ª semana da segunda fase do estudo

EFEITOS COLATERAIS
20 participantes saíram do experimento devido aos efeitos colaterais. Entre eles, surgimento de acne, mudança de humor, arritmia cardíaca e hipertensão