O vice-presidente de desenvolvimento de conteúdo da emissora norte-americana ABC, Gary Levine, temia encontrar com David Lynch. O cineasta havia impressionado o executivo com Veludo Azul, filme escrito e dirigido por ele, de 1986, com uma trama de visual noir, suspense psicológico, e escolhas estéticas e narrativas bastante peculiares e surrealistas. “Aquele filme me assustou”, confessa Levine. “Quando ele entrou em contato conosco para mostrar Twin Peaks, morri de medo. Não queria.”

O ar pacato e tranquilo de Lynch e de seu companheiro de trabalho Mark Frost tiraram a má impressão. A ideia deles do que seria o seriado, com toda a inovação e, por que não, loucura foi aprovada por uma emissora de TV aberta nos Estados Unidos, algo bastante incomum para uma época de produções bastante deficitárias no quesito básico de criatividade.

O depoimento de Levine foi gravado para um vídeo promocional da terceira temporada de Twin Peaks, de volta à ativa depois de 25 anos, com transmissão neste domingo, 21, pelo canal norte-americano Showtime – emissora na qual o executivo atualmente tem a função de presidente de programação. Na noite de sexta-feira, 19, a Netflix anunciou pelo Twitter que a terceira temporada será exibida semanalmente a partir desta segunda-feira, 22.

A primeira temporada de Twin Peaks foi ao ar em 1990 – o episódio-piloto foi exibido em 8 de abril. A série chegou a ser uma das mais assistidas dos Estados Unidos, no nobre horário das quintas-feiras, dividindo as atenções com a aclamada sitcom Cheers. O mistério em torno do assassinato da jovem Laura Palmer, interpretada por Sheryl Lee, rodou o país. No Brasil, a série chegou a ser exibida nas noites de domingo, pela TV Globo, em 1991, depois do Fantástico. O horário ruim prejudicou a audiência e, por fim, foi cancelada pela emissora.

Por diferenças criativas, Lynch abandonaria o projeto no segundo ano e Frost, sozinho, segurou o rojão que era a questão da identidade do assassino. A moça, responsável por desencadear os acontecimentos da trama, também foi o epicentro da desavença entre os dois criadores da série. Lynch não queria revelar o autor do crime. Frost, sujeito com bagagem na TV, entendia a descoberta da identidade do assassino como algo crucial para o seguimento do seriado.

Sem a presença do “assustador” Lynch e com a revelação do assassino, a audiência despencou. Twin Peaks foi transferida para as noites de sábado, uma faixa horária que contava com poucos jovens diante da telinha. A TV aberta funcionava (e funciona) com números. Sem televisores conectados no canal, diminuem os anúncios. Sem anúncios, sem série. Twin Peaks ainda ganhou sobrevida com o filme Fire Walks With Me, que, no Brasil, ganhou o autoexplicativo título de Os Últimos Dias de Laura Palmer, em 1992.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.