Em 1988, ao promulgar a Constituição, o então deputado Ulysses Guimarães fez questão de ler o seu primeiro artigo, que lembra que todo poder emana do povo. Hoje, a Constituição-cidadã sofre intenso bombardeio, seja pelo ataque aos direitos sociais e trabalhistas, seja pelos cambalachos encontrados para cassar, sem crime de responsabilidade, um governo eleito. O resultado está aí, na desorganização econômica e na anomia completa da sociedade brasileira.

Ainda assim, se o princípio de que “todo poder emana do povo” ainda valesse alguma coisa, o Brasil estaria agora se preparando para a realização de novas eleições presidenciais. Já era esse o desejo de 85% dos brasileiros, segundo o Datafolha, antes mesmo da divulgação dos grampos que atingiram o governo federal. As conversas, que tornaram Michel Temer formalmente investigado pela Procuradoria-geral da República, tratam de crimes graves, como obstrução judicial, vazamento de informação privilegiada e trocas de nomeações em cargos públicos por propinas.

Temer promete resistir, mas sua base aliada começa a evaporar. No mercado financeiro, um dos fiadores de sua permanência no poder, já não há mais confiança na sua capacidade de entregar as chamadas reformas. Há quem veja até um zumbi instalado na Presidência da República. Ou seja: já é hora de se discutir abertamente o pós-Temer.

Basicamente, existem três cenários. O ideal, para as forças que colocaram Temer no poder, seria encontrar uma solução que instalasse no Brasil uma espécie de troika financeira. Nesse caminho, aparentemente apoiado pela Rede Globo, a presidente Cármen Lúcia poderia se tornar presidente, durante a transição, mantendo Henrique Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central. A favor de Cármen Lúcia, o fato de que ela controla a própria fila da sucessão, podendo disparar petardos do Supremo Tribunal Federal não apenas contra Temer, mas também contra o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidentes das duas Casas Legislativas.

O cenário Cármen Lúcia, no entanto, traz um risco para o Parlamento. Temer não chegou ao poder apenas porque tinha apoio do mercado financeiro para fazer a sua “ponte para o futuro”. Sua missão mais importante era “estancar a sangria” da Lava Jato, como explicitou o senador Romero Jucá (PMDB-RR). E uma juíza jamais inspiraria a confiança dos parlamentares no Brasil de hoje. Portanto, como a Constituição assegura ao Congresso a prerrogativa de realizar a eleição indireta, nada indica que deputados e senadores abririam mão desse poder. E um nome que teria boas condições de prevalecer seria o de Rodrigo Maia, pelo trânsito em todas as forças políticas.

Nenhum desses arranjos, no entanto, devolveria ao Brasil a democracia, a paz social e o respeito internacional. A única saída legítima é a aprovação de uma emenda constitucional e a realização de diretas-já. Não apenas porque é o desejo do povo brasileiro, mas porque voto de todos os eleitores foi roubado por uma oligarquia corrupta. “Ah, mas nesse caso o Lula pode vencer”, dizem vozes à direita. Paciência. Se a direita não é capaz de vencer o ex-presidente Lula dentro das regras democráticas, que acumule forças até conseguiu convencer corações e mentes.

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