Mesmo no movimentado noticiário político e social da Venezuela, um dos países mais conturbados da já problemática América Latina, há tempos não se via uma semana como esta. Ela começou no domingo 16, quando a oposição promoveu um plebiscito não oficial com o objetivo de cancelar o plano do presidente Nicolás Maduro de mudar a Constituição. Como o comparecimento foi alto, a consulta significou um forte baque contra o chavista. Desde então, golpes contra o regime não pararam de se acumular.

Internacionalmente, Estados Unidos e União Europeia chefiaram as pressões prometendo sanções econômicas à Venezuela. Foram seguidos pelo Mercosul e até por aliados, como a Colômbia. Internamente, o conflito se intensificou, com a realização de uma greve que mobilizou milhares na quinta-feira 20. “Há uma parcela muito grande da população que se posicionou contra Maduro e está disposta a mudar de governo”, diz Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo.

PROTESTO Na quinta-feira 20, greve geral parou o país contra Maduro (Crédito:AP Photo/Ariana Cubillos)

O plebiscito feito no domingo colocou essas forças em movimento. Realizado sem a autorização de Maduro, a consulta perguntava aos cidadãos se eles concordavam com o plano do presidente de convocar eleições para escolher uma Assembleia Constituinte, o que está marcado para o dia 30.

A oposição diz que a medida vai ampliar os poderes do chavista. Ao todo, mais de 98% dos 7,2 milhões que compareceram às urnas foram contra o regime. O número representa 36% dos eleitores da Venezuela e é semelhante à soma dos que votaram no oposicionista Henrique Caprilles para presidente em 2013 (7,3 milhões) e dos que sufragaram a oposição no pleito Legislativo de 2015 (7,7 milhões). Maduro desqualificou a legitimidade do plebiscito e anunciou que a Constituinte está mantida.

Forças leais a ele responderam com um tiroteio que acabou com uma eleitora morta nos arredores de Caracas. A oposição, que controla a maioria do parlamento, comemorou o resultado afirmando que superou o comparecimento esperado. “Com os votos do povo venezuelano, matematicamente Maduro está revogado no dia de hoje”, disse o presidente da Assembleia, Julio Borges.

Mobilização internacional

Nos dias que se seguiram, governos de diversos países manifestaram-se contra Maduro. Os Estados Unidos prometeram ações econômicas “fortes e rápidas” se a eleição da Constituinte for mantida. “Os EUA não ficarão parados enquanto a Venezuela desmorona”, afirmou a Casa Branca em comunicado.

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A ameaça é importante pois o petróleo é o principal produto de exportação do País, e mais de 40% dele é vendido aos americanos. A União Europeia também anunciou que fará sanções porque, se levada a cabo, a votação do dia 30 deve “aumentar os confrontos”. Antigo aliado, o Mercosul fará exigências semelhantes e estuda pedir a suspensão da Venezuela do bloco.

O isolamento ficou evidente quando mesmo a Colômbia, uma das únicas nações que apoia o chavista, pediu que o mandatário voltasse atrás. Em resposta, Maduro decidiu partir para o ataque, anunciando represálias para combater a “ameaça imperial” representada por EUA e Europa e classificando de “escravos do império” os líderes de Brasil e Colômbia.

UNIÃO Líderes da oposição festejaram a vitória no plebiscito que rejeitou Constituinte (Crédito:AFP PHOTO / RONALDO SCHEMIDT)

As confusões da semana foram fechadas com os conflitos que marcaram a greve geral, realizada na quinta. Diversas ruas das principais cidades do País foram fechadas pelos manifestantes, que atearam fogo em pneus, veículos e até em prédios do governo.

Parte do comércio permaneceu com as portas baixadas, mas o governo garantiu que as repartições públicas funcionaram normalmente. Pelo menos 80 pessoas foram presas durante os diversos confrontos dos grevistas com a polícia. Duas morreram.

Desde quando os protestos se intensificaram, em abril, quase 100 foram mortos. A Venezuela já vinha trilhando um caminho tortuoso desde Hugo Chávez, que se afastou da presidência no fim de 2012 para tratar o câncer que o mataria.

Meses depois da eleição de Maduro, em 2013, o preço do barril do petróleo despencou, afetando a economia e agravando a crise política, que é marcada por acusações de golpismo dos dois lados. “Uma vitória de Maduro vai ser considerada a continuação da crise”, diz José Maria de Souza Júnior, professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco. “Mas ele está forte também, e ainda não caiu porque conta com o apoio de setores expressivos da população.”


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