“Fucking, fucking Rio!” – marque, porque essas foram as primeiras palavras que Pete Townshend falou no Rio de Janeiro como membro ativo e atuante do The Who. Uma das bandas mais importantes da história subiu ao Palco Mundo neste sábado, para apresentar uma lista de sucessos sem igual, a mesma lista que fez surgir um milhão de bandas depois dessa: muitas delas que talvez você goste mais do que o próprio Who, mas que talvez nunca tivessem nascido se esse mesmo Pete Townshend não tivesse quebrado sua guitarra num pub lá na metade dos anos 1960.

Demorou muito, demais, para o Who vir ao Brasil, e eles finalmente vieram para tocar diante das mais de 100 mil pessoas que estavam aqui para vê-los e também para acompanhar a formação clássica do Guns N’ Roses. “Vocês terão uma bela noite hoje, eles são nossos colegas”, disse Townshend sobre a banda americana.

“Minha canção preferida do Who’s Next”, comentou o guitarrista antes de Bargain – aparentemente de improviso, porque ela não estava no setlist divulgado. O álbum de 1971 guarda uma vitalidade que é reservada aos deuses: poucas bandas de rock se mantém vivas e ativas para tocar uma música própria tão antiga como essa. Townshend comentou do palco que o resto da banda tocava num tom diferente do dele, mas o que é um tom quando se está diante de um espetáculo como esse.

São 53 anos de atividade, e dois membros a menos: mas quando Daltrey canta, todo mundo “Join Together”, como diz a música de 1990.

Zak Starkey – o filho de Ringo Starr que segura as baquetas do The Who, depois de dois lendários bateristas (Keith Moon e Kenney Jones) – até se parece fisicamente com o músico original da banda, e de maneira impressionante mantém o nível tanto de seus antecessores (enquanto isso seja possível), quanto de seu pai, e não vejo como fazer um elogio melhor do que esse.

Ele é da geração da maioria do público do Rock in Rio, e Townshend fez questão de ressaltar: “muitos de vocês não eram nascidos quando essa canção foi escrita”, antes de My Generation. I Can’t Explain, o primeiríssimo single que o Who lançou em 64, foi o que abriu o setlist.

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Townshend se sente à vontade, em todo direito, de tocar três canções do Quadrophenia ao violão, a segunda ópera rock mais célebre da banda, que é o momento que o show dá uma arrefecida. Até Love Reign O’Er Me, desse mesmo disco – música de derrubar montanhas e afastar furacões.

Sobre a idade: é apenas maldade cobrar que Roger Daltrey alcance as notas altas dessa música, mas mesmo com pedras no caminho ele chega lá em cima, com todas as décadas nas costas. Townshend já aparenta estar cansado, mas ele esteve sorridente durante todo o show.

Amazing Journey, a música que abre o Tommy, um dos marcos históricos que o Who erigiu, vem a seguir dando um descanso para as cordas vocais de Daltrey, bem como Sparks, do mesmo disco. Pinball Wizard, um dos fechos da história do menino de Tommy (que virou filme e fez Townshend ser indicado ao Oscar), prepara para o inevitável porém doloroso fim do último show do The Who no Brasil. É muito difícil que eles voltem, e é triste fazer essa constatação.

Baba O’Riley merece um parágrafo porque é com a penúltima música do setlist que o Who conta várias histórias ao mesmo tempo: a história do homem que sua para trabalhar e botar comida na mesa, do homem que não tem medo de imigrar e ao mesmo tempo não abre mão da felicidade, e do cara que valoriza os seus antes de envelhecer. É também a história de como o sintetizador encontrou o rock n’ roll, um casamento duradouro e estável, que ainda rende uma lua de mel maravilhosa.

Won’t Get Fooled Again termina o show e eu não acredito que nenhuma pessoa que goste de um indivíduo tocando guitarra não tenha se emocionado no mínimo a ponto de lacrimejar ao ver Pete Townshend, 72 anos, se jogar de joelhos ao final de um solo. Roger Daltrey segue cantando, atualíssimo: “eu passo o chapéu para a nova revolução…. Não seremos enganados novamente”. Acaba, mundão. Que show histórico.


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