Filho do primeiro prefeito de Cachoeiro do Itapemirim, interior do Espírito Santo, o escritor Rubem Braga (1913-1990) se interessou por política desde muito cedo. Embora jamais tenha aderido à militância ou a qualquer inclinação partidária, ele soube como poucos provocar quem merecesse, de Getúlio Vargas a Fernando Collor. Aluno relapso de piano, a ponto de sua professora desistir das aulas afirmando que “esse menino não tem ouvido nenhum”, definia-se como “homem de pouca música e nenhum ritmo” – o que contrastava com seu talento para o texto e sensibilidade para com as telas: “É a pintura que me apazigua e me faz sonhar”, escreveu.

+ Sarcófagos misteriosos
+ Tesouro anuncia troca de subsecretário da Dívida
+ Torre Eiffel será reaberta ao público no dia 16 de julho

Por quase cinco décadas, a política, a música e as artes visuais foram precisamente os combustíveis que inflamaram os ânimos de um dos maiores cronistas que o Brasil conheceu. Sobre esses temas, Rubem Braga escreveu com grande paixão, lucidez e espirituosidade, construindo um impressionante e atualíssimo repositório de ideias e opiniões sobre a sociedade brasileira. Muito do que ele publicou em jornais e revistas desde os anos 1930 ainda permanecia inédito em livro. Agora, esse tesouro é revelado em edição primorosa: “Rubem Braga – Crônicas” (Autêntica), caixa com três volumes, cada qual dedicado a um tema e organizado por um especialista tanto no assunto quanto no autor. Prepare-se para gastar: a obra de 736 páginas custa R$ 134,90. “Os moços cantam & outras crônicas sobre música” é o livro compilado por Carlos Didier, ele próprio violonista e escritor, conhecido pelas biografias de Noel Rosa, Orestes Barbosa e Nássara.

Na seleção de mais de 90 crônicas musicais que Didier garimpou há um pouco de tudo. Rubem Braga escreveu sobre Carmen
Miranda, Vadico, Villa-Lobos, Caymmi, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e até defendeu Rita Lee quando atacada por Sérgio
Cabral. Ao comentar o desabafo de Geraldo Vandré – “a vida não se resume em festivais” –, após sua música perder a disputa para “Sabiá” (de Tom Jobim e Chico Buarque) no festival da canção de 1968, Rubem Braga foi mordaz. “Ora, eu acho que Geraldo Vandré sente exatamente o contrário do que disse: a vida para ele é um festival em que ele tem de ficar sempre em primeiro lugar”.

Foi com essa mesma verve que o cronista tratou políticos, fossem seus desafetos ou amigos, como atesta o “Bilhete a um
candidato”, publicado na revista “Manchete” em dezembro de 1960. “Meu caro candidato: Você deve ter notado que na 122ª
Seção da Quinta Zona, onde votei, você não teve nenhum voto”, admitiu, antes de consolar o amigo. “Essa nossa Câmara
Municipal não era mesmo lugar para um sujeito decente como você!” A crônica em formato de carta foi um dos recursos
estilísticos mais recorrentes de Braga – e seu bilhete ao candidato dá nome também ao volume dedicado à política no compêndio. Para Bernardo Buarque de Hollanda, pesquisador do CNPq e professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, “Rubem Braga atuou ao longo de suas existência como um fiscal do poder, em prol das causas que lhe pareciam legítimas ao povo”. No posfácio para o livro que organizou, Bernardo cita a maneira como o capixaba se posicionou na campanha pelo petróleo nos anos 1950: “Em sua esteira, denunciou a formação de trustes no país e apontou a usurpação
de serviços básicos indispensáveis à população”.

PERFIS
A mesma coragem da qual se imbuía ao escrever sobre política aparece em uma das faces menos divulgadas de Rubem Braga, a do apaixonado pelas artes. Embora tenha escrito textos esplêndidos sobre pintura desde a década de 1940, ele recusava o rótulo de crítico. “Sou mesmo um apreciador distraído, sem responsabilidade”, gostava de dizer. Sua atenção se voltava
não apenas para a obra. “Em Rubem Braga, o que conta, sempre, é o humano e sua circunstância”, afirma o crítico e ensaísta André Seffrin, organizador de “Os segredos todos de Djanira & outras crônicas sobre arte e artistas”. Os perfis biográficos dão a tônica do capítulo “3×4”, que abre o volume. São 18 textos cujo título se resume ao nome e ofício do perfilado: “Oscar, o arquiteto”, “Burle Marx, jardineiro”, “Lúcio Costa, urbanista”. Há espaço para pintores, escultores, artesãos e até críticos, caso de Mário Pedrosa e Flávio de Aquino.

Muitos dos textos circularam em periódicos especializados, catálogos de galerias e livros de arte. Braga gostava de frequentar ateliês e chegou a montar exposições. Sensível, afirmava ter pena dos pintores que se agarram a teorias ou escolas. Fiel a si mesmo, ele jamais se privou de escrever o que bem quis, e sua obra resiste ao tempo como um guia para entender muitas das virtudes e contradições brasileiras.