O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costumava dizer, em tom de ironia, que sempre que um presidente ia para o exterior a crise viajava com ele. Na última semana, o presidente da República, Michel Temer, embarcou para Rússia e Noruega, mas a crise ficou. O peemedebista até se esforçou para criar uma agenda positiva, abrindo negócios e oportunidades de comércio para as empresas nacionais na Europa, mas o Palácio do Planalto continuou sob tensão, debaixo de um tiroteio que parece não ter fim.

O principal petardo foi a divulgação do relatório parcial da Polícia Federal que afirmou que o presidente cometeu crime de corrupção passiva por ser o destinatário de uma mala de R$ 500 mil da JBS, em troca da solução de um impasse das empresas dos irmãos Joesley e Wesley Batista no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A PF usou a admissão pública do peemedebista, que afirmou que repassou os assuntos de Joesley para o ex-assesssor palaciano Rodrigo Rocha Loures, o episódio da entrega da mala e as inúmeras referências ao presidente nas negociações com o dono da JBS para apontar o dedo para Temer.

Os valores, entregues para Rocha Loures, tinham como destino ainda Ricardo Mesquita, diretor da Rodrimar, empresa portuária ligada ao presidente, que nada explicou perante as 82 perguntas feitas por escrito. “Diante do silencio do mandatário maior da nação e de seu ex-assessor especial, resultam incólumes as evidências que emanam do conjunto informativo formado nestes autos, a indicar, com vigor, a prática de corrupção passiva”, anotou o delegado Thiago Delabary no relatório.

O dinheiro era mesmo para o presidente, assegura a PF: “Ricardo Saud (executivo da JBS) foi categórico ao afirmar que os valores tratados com Rodrigo da Rocha Loures eram direcionados a Michel Temer”. Para os investigadores, o presidente cometeu corrupção passiva em concurso de pessoas “em face de ter aceitado promessa de vantagem indevida, em razão da função”. Para isso, Temer valeu-se da “interposição” do ex-deputado e ex-assessor, conclui a PF.

Outra bomba veio do depoimento do doleiro Lúcio Bolonha Funaro à PF. Ele confirmou que Geddel Vieira Lima era o interlocutor da JBS no governo. Depois foi substituído por Rocha Loures, segundo Joesley. Funaro afirmou que Temer fez um “pedido” para que fossem realizadas duas operações de crédito a empresas privadas com recursos do FI-FGTS, administrado pela Caixa.

Geddel foi vice-presidente da instituição financeira. Em depoimento na Operação Bullish, Joesley disse ainda quarta-feira 21 na PF, que Temer indicou o amigo José Yunes para que ele fosse o advogado encarregado de tentar um acordo judicial com uma empresa que disputava uma demanda contra a J&F. O negócio daria um ganho de R$ 50 milhões a Yunes. A demanda, contudo, acabou não indo em frente. Joesley não contou à PF qual era a disputa.

Relatório parcial da Polícia Federal diz ter indícios de que Temer, “com vigor”, cometeu atos de corrupção passiva (Crédito:Joédson Alves)

No Supremo, até o ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto do ministro Edson Fachin para manter válida a delação premiada dos executivos da JBS, incluindo a parte que ameaça o Planalto. No Senado, houve derrota da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais, enquanto que na Câmara ainda reside o maior trunfo na manga de Temer. Lá, os deputados podem simplesmente arquivar a futura denúncia contra o presidente que deverá ser feita nos próximos dias pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Acordo sobre o caixa dois

SUCESSÃO A substituição de Rodrigo Janot está sendo motivo de discórdia entre procuradores da República (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)

Os parlamentares chegaram a estudar a apresentação de um pedido impeachment de Janot, no rastro de reportagem da ISTOÉ que mostrou grampos indicando pressões do procurador contra parlamentares que apoiam seus adversários na corrida à sucessão no comando da PGR.

No entanto, essa iniciativa parece ter sido frustrada graças uma iniciativa do Ministério Público de oferecer uma espécie de “acordo” com os parlamentares acusados de caixa 2, mas não corrupção.

Na conversa de 11 de maio, a procuradora Caroline Maciel relata ao colega Ângelo Goulart, hoje preso na Papuda, que ele corria risco de perseguição por supostamente apoiar a candidatura de Raquel Dodge ao comando da PGR. E conta que haveria ordem para “lascar” o senador José Agripino (DEM-RN) por apoiar a adversária de Rodrigo Janot. Em nota, Janot desmentiu qualquer tipo de perseguição a políticos e procuradores.

O deputado Alexandre Baldy (PTN-GO), que assinou pedido de CPI contra Janot, cobra uma apuração das conversas pela PGR. “Caso se comprove, deve ser discutida a atuação do MPF”. Agripino garante que o Senado vai respeitar a autonomia da Procuradoria. “Esse assunto tem de ser esclarecido no âmbito da Procuradoria”, limitou-se a dizer. “Eu fui apenas mencionado. Não tenho simpatia por ninguém. Agora, o procurador escolhido vai ter de ser sabatinado aqui”, disse Agripino.