Maurício e Patrícia casaram há 17 anos.
Os dois se conheceram no colégio e namoraram nos anos da faculdade.
Todos concordavam que os dois combinavam.
Em 1994, Maurício se formou em Direito e Patrícia
em Sociologia.
Enquanto o Plano Real se cristalizava e a inflação caía, arrumaram seus primeiros empregos.
Saíram juntos em passeatas Fora Collor, muito mais pela farra do que por ideologia.
Ele, inclusive, votara no próprio candidato que agora
queria expulsar.
Só farra.
Então veio a eleição de 2002.
Patrícia chegou em casa, pendurou a bolsa de couro com franjinhas numa cadeira e foi fazer um pudim para o marido.
Maurício chegou e se atirou no sofá, afrouxando
a gravata.
– Muzona, cheguei!
– Oi Muzão.
– Nossa…tô pregado. Dia de cão no Fórum. Como foi seu dia?
Enquanto a Muzona contava como tinha sido o trabalho numa comunidade de Taboão, Muzão notou alguma coisa pendurada na bolsa da mulher.
– Muzona – interrompeu o relato – que porra é essa?
– O que, Muzinho? – Patrícia botou a cara para fora da cozinha.
– Esse bottom aqui na sua bolsa???
– Ah…ganhei hoje. É o bottom do Lula. Bonitinho, né?
Maurício achou melhor não discutir.
Mas aquele bottom insignificante doeu em seu coração como uma traição.
Sensação que nunca havia sentido com Patrícia.
Na cama, Maurício ruminava ideias, angustiado.
– Muzona, você já decidiu em quem votar? – como quem não quer nada.
– No Lula, né? Em quem mais? No Vampiro Brasileiro do Zé Serra? – riu, como se essa decisão fosse óbvia, indiscutível.
Não precisou tirar os olhos do livro.
Maurício marcou sua posição, tomando o cuidado de
não agredir:
– Bom…eu vou de Zé Serra…
Patrícia fingiu que não ouviu.
Mas a frase do marido, assim, sem margem para questionamentos, intoxicou a noite como um prédio que implode deixando apenas uma nuvem densa de fumaça
no lugar.
A partir dali, um novo casamento começou.
Sem confrontos, sem atritos, apenas agressões caladas.
Almoço de domingo com a camiseta de Zé Serra.
Bandeira do PT enrolada num canto da sala.
Os amigos insistiam que assim não há casamento
que aguente.
Maurício e Patrícia não se tratavam mais de Muzão e Muzona.
Em casa, eram Maurício e Patrícia.
Em público, eram “Esse aí” e “Essa aí”.
– Essa aí vai votar na Dilma, dá para acreditar?
– Esse aí é golpista. Viu onde fui me meter?
O divórcio veio com o impeachment.
Patrícia não suportava o jeito sarcástico e superior do marido simplesmente não falar do assunto, deixando implícito um incômodo “eu avisei”.
Nunca mais se viram, até uma noite num barzinho
da Vila Madalena.
Ela com uma turma de grafiteiros depois de um ato
na Prefeitura.
Ele com um pessoal do Instituto Liberal.
Os dois se trombaram na porta do banheiro.
Era muita história entre eles.
Muito amor.
Singelos, olhos nos olhos, procuraram a paixão perdida
da faculdade.
Foi ela quem quebrou o silêncio de dedo em riste:
– Fora, Temer! – e foi embora.
Ele viu a mulher se juntar aos grafiteiros enquanto pensava como ele também estava decepcionado com Temer e como queria outro presidente, outra vida.
Mas agora era tarde demais.

Maurício e Patrícia não se tratavam mais de Muzão e Muzona. Em casa, eram Maurício e Patrícia. Em público, eram “Esse aí” e “Essa aí”


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