A coexistência entre clássico e contemporâneo está na essência da São Paulo Companhia de Dança (SPCD) desde sua criação, em 2008. Mas é na temporada que começa na sexta, 4, no Teatro Sérgio Cardoso, na capital paulista, que essa relação atinge profundidade. No programa, que segue até dia 27, serão apresentadas nove obras – seis delas estreias. De diferentes maneiras, elas alinhavam entre si os contrastes entre tradição e novo, revelando conexões de um clássico e um contemporâneo que vão além da técnica da dança.

Romeu e Julieta, coreografado para o grupo, em 2013, pelo italiano Giovanni Di Palma, abre as duas primeiras semanas de espetáculos. Tem na atemporalidade da obra de Shakespeare um elo natural com o presente, ampliado pela agudeza da movimentação de Di Palma e por um Romeu negro – o bailarino Nielson Souza.

“Shakespeare fala da essência humana. Por isso, faz a obra dele atemporal. Os balés de Romeu e Julieta que marcaram época são do século 20. Então, por que nesse século a gente retoma essa história? Acho que ela tem esse questionamento sobre a guerra e a paz. Hoje, estamos em um mundo com esse trânsito de pessoas buscando espaços para construir uma nova vida. Romeu e Julieta buscam o mesmo. Nisso o balé é muito presente. Está falando de um tempo atual” diz a diretora artística da SPCD, Inês Bogéa.

Entre os dias 17 e 20, ocorrem as estreias de dois trabalhos. Pivô, criação de Fabiano Lima, é um deles. Em cena, cinco bailarinos – quatro homens e uma mulher – dançam com bolas de basquete ao som da modinha Quem Sabe, de Bittencourt Sampaio (1834-1895) e Carlos Gomes (1836-1896), e do bailado da ópera O Guarani. Dança contemporânea, hip-hop, basquete e música clássica se combinam em algo novo. “É instigante. A bola faz com que o corpo se mova de forma diferente. Ela bate no ritmo da música”, explica Inês.

Ngali também é novidade. O coreógrafo Jomar Mesquita se inspirou em La Ronde, peça que Arthur Schnitzler (1862-1931) escreveu no fim do século 19, e na sua adaptação para o cinema, feita nos anos 1950 pelo diretor Max Ophüls (1902-1957). No palco, 12 duos revelam as conexões entre seis casais. Cada personagem se relaciona com outros dois, e todos são movidos por um desejo progressivo. Ngali é palavra aborígene que significa “nós dois, incluindo você”.

A proposta coincidiu com a “dança a dois” que Mesquita estuda e desenvolve há anos, por meio da desconstrução da dança de salão e sua união com o contemporâneo. Seu objetivo é uma movimentação natural. “O que é muito bom nesse trabalho – e tem a ver com o que gosto ao criar – é entortar os movimentos e gestos. Bagunço um pouco a cabeça e os corpos dos bailarinos com formação clássica, em que as linhas são muito presentes. Porque, para mim, o movimento curvo e retorcido tem mais relação com a visceralidade, paixão e desejo do que as linhas.” A variada trilha tem de Lupicínio Rodrigues (1914-1974) a Johnny Hooker, considerado uma das revelações da MPB. Além de Pivô e Ngali, GEN – de Cassi Abranches – completa o programa.

Na última semana da temporada, entre os dias 24 e 27, a SPCD apresenta Peekaboo, que o alemão Marco Goecke coreografou para a companhia em 2013. Na mesma noite, estreiam quatro pas de deux: O Corsário, O Talismã, Carmen e Fada do Amor. Os três últimos foram presentes que, assim, possibilitaram uma temporada com tantas novidades. Talismã foi dado por Pablo Aharonian, assistente de Marcia Haydée. Já a grande dama da dança, que em 2015 criou O Sonho de Dom Quixote para a companhia, presenteou o grupo com Carmen e Fada do Amor.