Uma linhagem de três gerações de políticos brasileiros cometeu suicídios que lembram uma maldição familiar. O clã Vargas está na origem de um suicídio paradigmático, usado como arma política que alterou a história do Brasil nos anos 1950 e serve até hoje como um modelo de bravura patriótica. Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), o filho Manuel Antônio Sarmenho Vargas (1906-1997) e o neto Getúlio Dornelles Vargas Neto (1956-2017) se envolveram em política e se mataram com tiros de revólver. A rotina suicida pode parecer uma epopeia cívica quando se trata dos Vargas. Mas, segundo os especialistas, o comportamento segue um padrão que se repete em muitas famílias.

O presidente Getúlio Vargas se suicidou durante a crise institucional que o ameaçava de deposição. Um atentado contra seu opositor, o jornalista Carlos Lacerda, perpetrado pela guarda pessoal da Presidência, precipitou o “mar de lama”, envolvendo seus irmãos, Benjamin, o Bejo, e Manuel Vargas, o Maneco.

A guarda tinha como chefe o guarda-costas de Getúlio, Gregório Fortunato, que confessou ter contratado um pistoleiro para assassinar Carlos Lacerda — mas os tiros mataram o seu segurança, o major Rubens Vaz. Para piorar, a polícia descobriu um documento de transferência de dois terrenos de Maneco para Fortunato. Isso aumentou o desgosto de Getúlio. “Só saio daqui morto”, disse. Desferiu um tiro no coração em 24 de agosto de 1954 no Palácio do Catete. A seu lado estava a “Carta Testamento”, na qual declarava que saía da vida “para entrar na História”. Foi um momento trágico da política brasileira.

CIVISMO Juscelino Kubitschek e políticos no velório de Getúlio Vargas em 1954: depressão (Crédito:Divulgação)

Em 15 de janeiro de 1997, Maneco administrava a estância de Itaqui (RS) quando se deu um tiro no peito com uma pistola de calibre 38. Tinha 80 anos. Na época, os amigos comentaram que ele se matou menos para imitar o heroísmo do pai do que para fugir das dívidas: era um jogador compulsivo e sempre teve problemas em administrar as finanças pessoais.

No inquérito militar que apurou corrupção getulista, Maneco declarou que vendeu dois terrenos a Gregório Fortunato para saldar dívidas. Maneco formou-se engenheiro agrônomo. Após a morte do pai, trabalhou como secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul e, em 1955, foi eleito prefeito de Porto Alegre.

O filho de Maneco, conhecido como Getulinho, era formado em Administração e pecuarista. Administrava a estância de Itaqui. Como o pai e o avô, tentou a carreira política, mas fracassou. Nos anos 1980, concorreu para deputado estadual pelo PDT, mas não se elegeu.

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Em 2011, ingressou no Partido Popular Socialista (PPS) e pensou em concorrer ao governo do Rio de Janeiro, mas desistiu. Foi encontrado morto por uma funcionária da família na manhã de 17 de julho em seu apartamento em Porto Alegre. A polícia descobriu um ferimento de bala de revólver na têmpora e, ao lado do corpo, um bilhete. A delegada da 2ª Delegacia de Homicídios de Porto Alegre afirma que foi suicídio. Segundo amigos, Getulinho era bem-humorado. Os mais velhos dizem que dava gargalhadas jogando a cabeça para trás, que lembrava a risada do avô Getúlio. Amigos e parentes não entenderam o motivo do suicídio.

DÍVIDAS Maneco Vargas na estância em Itaqui (RS): jogador compulsivo (Crédito:Divulgação)

O mistério sobre a sina dos Vargas pode ser explicada pela medicina. Os especialistas afirmam que suicídio em família segue um padrão repetitivo. “As causas podem ser biológicas e genéticas”, diz o psiquiatra Teng Chei Tung, coordenador do Serviço de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

Segundo ele, o quadro de depressão provoca um desejo de se livrar do sofrimento e da falta de perspectiva por meio da autodestruição. O gesto tanto pode ser impulsivo como premeditado. “O suicídio tem várias razões.” Segundo ele, os membros de uma família podem possuir um componente genético comum que os torna propensos à depressão e à bipolaridade. “Estudos mostram padrões dos suicidas como o de deixar um bilhete, que é um clichê e um modo de se colocar como vítima”, diz Tung. “Nada impede que uma pessoa bipolar se mate no auge da alegria, quando se vê frustrada por um fato insignificante.” Os Vargas são um exemplo de motivações suicidas as mais variadas, nem todas heroicas.


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