A votação do processo de impeachment no Senado teve um efeito inesperado. Depois do constrangimento provocado pelos discursos excêntricos dos deputados no escrutínio da Câmara (“esse voto é para o meu neto” ou “agradeço a Deus por tudo o que fez por mim”), os senadores acabaram por restaurar a dignidade do Parlamento. Não se viu, nos debates no Plenário, manifestações que não estivessem ligadas ao tema em questão: o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Os votos foram sustentados por análises técnicas e reflexões sobre a gravidade das ações cometidas por Dilma. A explicação para desempenhos tão distintos se deve à própria natureza da atividade de senador e deputado. O Senado não é para principiantes. Não à toa, na ciência política é chamado de Câmara Alta. Pressupõe-se, portanto, que está um nível acima – o que fica evidente quando se compara o que disseram deputados e senadores na votação do impeachment. É fácil de entender os motivos que levam a tamanha disparidade. Na Câmara, o voto é proporcional. Ou seja, cada partido obtém um número de vagas equivalentes à soma dos votos de todos os seus candidatos. Um deputado pode ser impopular, mas os números gerais de sua legenda o colocam na Câmara. No senado, o voto é majoritário. Só quem ter força nas urnas consegue se eleger. Por isso, muitos senadores são ex-governadores com extenso currículo em pleitos eleitorais.

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O mais interessante é que o alto nível dos discursos feitos na votação, nas primeiras horas da quinta-feira 12, foi repetido por senadores de diferentes matizes ideológicas. Até a condução dos trabalhos pelo presidente da Casa, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), ele próprio envolvido em escândalos de corrupção, foi um exemplo de serenidade. Antigo aliado de Dilma e ex-governador do Distrito Federal pelo PT, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) foi um dos 55 a votarem pela continuidade do processo, contra 22 de outros colegas. “Não fui eu que mudei, foi a esquerda que envelheceu”, disse ele. “A esquerda que está há 13 anos no poder, o que demonstra um desapego à democracia”, justificou o antigo reitor da Universidade de Brasília, em tom de resposta a seus antigos correligionários. Mesmo em campo político oposto, o senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL) foi tão incisivo quanto Buarque. Primeiro presidente a sofrer impeachment no País, Collor evitou se posicionar publicamente até o momento do voto, mas recordou sua experiência, há 24 anos. “A história me reservou este momento”, discursou. “Devo vivê-lo no estrito cumprimento de um dever. Chegamos ao ápice de todas as crises. Chegamos às ruínas de um governo.”

Ferrenho opositor dos governos petistas no Congresso, o ex-governador do Paraná e senador Álvaro Dias (PV-PR) resgatou o escândalo do Mensalão, em 2005, para explicar a origem do processo de afastamento de Dilma. Na época, o paranaense defendia o impeachment do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não houve apoio. Fiquei só. Depois, os escândalos se sucederam, uma série de escândalos intermináveis”, lembrou o ex-tucano. “Certamente, se as providências adequadas fossem adotadas no tempo devido, hoje o País não estaria assistindo a esse monumental rombo nos cofres públicos”, afirmou Dias, que cita a “banalização da corrupção” como “o maior desserviço” prestado pelo PT. Líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB) chamou a atenção do presidente Michel Temer (PMDB) para a necessidade de ouvir as demandas das ruas. “As panelas voltarão a ser usadas se não tivermos a exata dimensão da transformação que a sociedade exige”, afirmou. “Não há mais como fazer política nas bases do passado. Não há mais como construir coalizão de governo no toma lá, dá cá no balcão de negócios”, defendeu o tucano. Lima, como pelo menos outros 20 senadores, citou a fraude fiscal praticada no governo Dilma como argumento para justificar o seu voto. O Senado mostrou que não é preciso gritaria para afastar uma presidente. Basta ser eloquente.

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