Francesco Vezzoli gostaria de ter intitulado “Dancin’ Days” a exposição individual que realiza em São Paulo. Eventualmente, por interferência do departamento de marketing, o artista italiano foi demovido da ideia de homenagear a novela brasileira que foi tema de sua dissertação de mestrado na St. Martins School of Arts, de Londres, e acabou nomeando a mostra “Francesco Vezzoli Cinerama” — que não deixa de ser um título certeiro para a ocupação de dois andares da Oca com 17 filmes realizados entre 1997 e 2009.

Em pouco mais de uma década de trabalho, Vezzoli rastreou a indústria televisiva e cinematográfica, produzindo paródias satíricas e subversivas de trailers, remakes, telenovelas, seriados, reality shows, e campanhas políticas e publicitárias, contando com a colaboração das maiores estrelas do show bizz internacional, de Roman Polanski a Lady Gaga. Mas Vezzoli garante que seu grande tema é, acima de tudo, o mercado de arte. “Quando comecei, todos me perguntavam se eu queria ser diretor de cinema. Não. Eu sou um artista. Meu trabalho fala sobre arte, mesmo que isso não seja explícito”, diz ele à ISTOÉ. “Estou falando do vácuo da indústria do entretenimento para discutir a incumbente vacuidade da indústria da arte”.

CELEBRIDADES Vezzoli, que não se considera uma estrela do mercado de arte, só trabalha com grandes nomes, como Mila Jovovich (acima, à esq.), Sonia Braga (acima) e Lady Gaga, que canta e interpreta no vídeo “Ballet Russes”
CELEBRIDADES Vezzoli, que não se considera uma estrela do mercado de arte, só trabalha com grandes nomes, como Mila Jovovich (em destaque), Sonia Braga (acima) e Lady Gaga, que canta e interpreta no vídeo “Ballet Russes” (abaixo, à dir.)

Entre as peças expostas, há pérolas preciosas como “Greed, a New Fragrance by Francesco Vezzoli” (Ganância, Nova Fragância de Francesco Vezzoli”, 2009), dirigido por Polanski e estrelado por Natalie Portman e Michelle Wililams. Em linguagem publicitária, o vídeo toma como referência o artista Marcel Duchamp, que em 1921 criou a obra “Belle Haleine: Eau de Voilette”, usando uma garrafa de perfume Rigaud com uma etiqueta manipulada. Na assinatura final de “Greed”, Vezzoli figura na etiqueta do perfume travestido de Rrose Sélavy, célebre alterego de Duchamp.

Há ainda o surpreendente “O Retorno de ‘Baucing Balls’ de Bruce Nauman” (2006), um remake de performance realizada pelo artista norte-americano em 1969, com estética de filme pornô. Já o “Trailer do Remake de Calígula de Gore Vidal” (2005) não tem referencias concretas ou subliminares ao mundo da arte, mas tem cenas de sexo explícito e conta com a atuação de Mila Jovovich e Benício del Toro e apresentação de Gore Vidal.

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É nessa toada de camadas sobre camadas de citações que “Cinerama” arma uma grande cacofonia audiovisual. E a homenagem à novela brasileira que marcou o imaginário do jovem Vezzoli em Brescia, na Itália, se faz ao “maquiar” a Oca com jogos de luzes, transformando o espaço expositivo em uma “disco”. E a memória da heroína de infância permanece viva no vídeo “Amália Traída” (2004), melodrama sobre a cantora portuguesa Amália Rodrigues, estrelado por Sonia Braga e pela atriz hollywoodiana Lauren Bacall. “Quando vi Dancin’ Days me apaixonei. É uma abordagem tropical da cultura popular, que cai muito bem a uma sensibilidade latina”, diz Vezzoli.

No rol de seus ídolos brasileiros, Vezzoli inclui Oscar Niemeyer, Glauber Rocha e os Doces Bárbaros. “Para mim, o fato de Gilberto Gil ser o primeiro artista do mundo a se tornar ministro em toda a história do pós-guerra diz muito do imenso potencial do Brasil”, completa ele.