Brigas entre casais que culminam no divórcio normalmente vêm acompanhadas de um longo processo traumático. Não apenas do ponto de vista emocional. As discordâncias vão parar na Justiça e, além do desgaste, trazem prejuízo a uma das partes envolvidas. O vendedor Cleber Peres Revite, de 44 anos, vivia em uma união estável e após a separação se viu obrigado a deixar a casa onde morava para dividir o espaço com a mãe por três anos até reconstruir a rotina. Já a psicóloga Maria Nieves Cenjor, de 69 anos, alugou um apartamento para dividir com a filha por anos até o ex-marido deixar o imóvel. Ambos os advogados, de Cleber e Maria, entraram na Justiça para exigir dos ex-cônjuges o pagamento de aluguel por estarem vivendo em um imóvel que pertencia ao casal. Como o recurso era opcional, o vendedor ainda não conseguiu receber o valor da indenização e a psicóloga abriu mão de seu benefício. Desde o dia 10 de fevereiro, porém, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) obriga que, após o divórcio, a pessoa que foi privada do uso do imóvel seja indenizada até que seja feita a partilha do bem. “É uma enorme evolução nas questões de família na medida em que resolve um impasse antigo, responsável por acirrar ainda mais a disputa, além de impor ao casal graves ressentimentos”, diz Gustavo Lima, advogado especializado em divórcio do escritório M. Lima Advogados.

ACERTOS Maria Nieves, 69 anos, conseguiu um acordo na Justiça para o ex-marido deixar o imóvel que pertencia ao casal.
ACERTOS Maria Nieves, 69 anos, conseguiu um acordo na Justiça para o ex-marido deixar o imóvel que pertencia ao casal.

Até hoje é comum ver casais que levam anos em um processo de separação até a partilha de bens. “Às vezes o juiz faz a partilha junto com o pedido de separação”, afirma Sandra Vivela, advogada especialista em direito da família. Com a decisão do STJ, mesmo quando não ocorrer no mesmo momento a indenização poderá ser cobrada da parte que estiver se beneficiando do bem. “O que sempre acontecia era uma ex-esposa ou um ex-marido onerado e o benefício é uma forma de obrigar o casal a ter uma relação mais justa e fazer com que a divisão seja mais rápida”, diz Ivone Zeger, advogada especialista em direito da família e sucessão. Não são raros os casos em que há um abuso de direitos e uma das partes toma posse exclusiva de bens comuns. Por isso, a Justiça entende que nada mais justo do que o ocupante do imóvel compense aquele que se viu obrigado a organizar provisoriamente um novo modo de vida.

Acordos

A nova regra atinge regimes de casamento com comunhão total e parcial de bens e também relações de união estável. O vendedor Cleber viveu dez anos com a companheira até que se separaram, em 2010. Em princípio, o casal havia decidido vender ou alugar o bem, que pertencia a ambos. “Na hora que aparecia um corretor, sempre dava algum problema, quando surgia um interessado ela desconversava”, diz. Somente após entrar na Justiça, ele conseguirá ser indenizado pelo tempo que a companheira desfrutou do bem. Maria Nieves também saiu de casa em 2007, após a separação. Casada com comunhão total de bens, ela teve de alugar um apartamento para viver com a filha porque o marido não queria deixar o imóvel. “Foi um processo desgastante, as imobiliárias se interessavam e ele não atendia”, diz. Até que, em 2009, um dos filhos do casal conseguiu convencê-lo a se mudar para um apartamento alugado. Meses depois, o advogado entrou com a ação para o pagamento do aluguel. O marido, porém, recusou e a única forma de estabelecer um acordo foi que ela ficasse com 55% do bem. “Na época, não queria brigar mais, mas acredito que o aluguel faz a pessoa se mexer.”

ACERTOS Cleber Revite, 44 anos, entrou com uma ação para obter o valor do aluguel da ex-mulher
ACERTOS Cleber Revite, 44 anos, entrou com uma ação para obter o valor do aluguel da ex-mulher

Antes da determinação do STF, os processos de litígio poderiam durar até dez anos na Justiça. “O grande problema é que os acordos não tratavam do benefício do aluguel, dependia sempre da provocação da outra parte”, afirma Rubens Carmo Elias Filho, presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios (AABIC). “Não havia mecanismos para cobrar a pessoa, que permanece no imóvel numa situação extremamente confortável, enquanto não sai a partilha de bens”, diz a advogada Sandra. Hoje, grande parte dos casos ocorre também quando um casal possui um financiamento no nome dos dois. A advogada Anna Maria Godke explica que, nesse caso, pode ser feito um acordo: a pessoa que permanece no imóvel paga a indenização ou a parcela integral do financiamento. Para cônjuges que têm filhos, em vez do aluguel, o valor pode ser revertido na contribuição da prestação de alimentos. As longas sagas na Justiça, ao que tudo indica, parecem ter ficado no passado.

O que prevê a decisão

O que diz – estabelece que quem se separar e continuar usufruindo de um bem adquirido pelo casal deve pagar aluguel para
o ex-cônjuge

Como funciona – antes o cônjuge entrava com uma ação para o divórcio e outra para a partilha de bens e só depois conseguia pedir na Justiça o valor do aluguel. Hoje, é possível pedir o divórcio e cobrar o valor do aluguel ao mesmo tempo

Benefícios – a cobrança do aluguel ajuda a dar celeridade ao processo de partilha de bens, já que o cônjuge que usufrui de um bem (carro ou imóvel) será obrigado a pagar pelo benefício, sem deixar a outra parte com o prejuízo

Para quem vale – a indenização pode ser cobrada por casados com comunhão universal de bens e comunhão parcial de bens desde que o imóvel, tenha sido adquirido posteriormente ao casamento e casais em união estável