Com cerca de duas horas de sessão no Senado, os parlamentares que participam do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff já protagonizaram discussões e bate-bocas ainda na fase de questões de ordem. O mais intenso deles foi entre a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) e o senador Magno Malta (PR-ES).

A confusão começou quando a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) afirmou que nenhum senador tem condições morais para julgar o afastamento permanente de Dilma. “Aqui não tem ninguém com condições para julgar ninguém. Qual a moral do Senado para julgar uma presidente da República?”, disse, visivelmente exaltada. A declaração foi interrompida pela manifestação indignada de outros senadores longe do microfone, entre eles, Ronaldo Caiado (DEM-GO), a quem Gleisi respondeu acusando: “o senhor é do trabalho escravo”, disse ao microfone.

Gleisi rebatia o senador Magno Malta (PR- ES), a quem coube colocar o contraponto a uma das questões de ordem apresentadas por aliados de Dilma que afirmaram que o impeachment é defendido para blindar o presidente interino, Michel Temer, e alguns integrantes de seu governo citados em delações da Lava Jato.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que comanda a sessão, Ricardo Lewandowski, abriu o julgamento final do impeachment dizendo que os senadores tinham o dever de tentar tomar uma decisão imparcial em relação ao afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. “Os senadores transmutam-se em juízes, e, em consequência disso, devem deixar de lado, o tanto o quanto possível, afinal são seres humanos, posições ideológicas, partidárias e pessoais”, disse. Lewandowski lembrou que, apesar de ser o responsável por conduzir as sessões do julgamento, não atuará como um magistrado, apenas terá o dever de garantir a ordem do processo. O presidente do STF ressaltou ainda que o julgamento tem prazo para começar, mas não tem prazo para acabar.

Logo no início da abertura dos trabalhos, o ministro Lewandowski indeferiu a primeira questão de ordem apresentada pela defesa e pelos senadores aliados da petista. Eles pediam que o processo fosse suspenso porque o Congresso Nacional ainda não analisou as contas do governo Dilma de 2015, que baseiam o pedido de saída da petista.

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Lewandowski lembrou que, recentemente, o STF julgou dois recursos extraordinários que tratavam de assunto semelhante. “Perguntava-se ou discutia-se naqueles recursos se, uma vez julgadas as contas de um prefeito de forma negativa ou reprovadas pelos tribunais de contas competentes, ele estaria inabilitado pela lei da Ficha Limpa a concorrer nas eleições”, lembra o presidente do Supremo. Ele lembrou que seu voto divergente durante a discussão na Corte acabou prevalecendo e dizia que a competência para julgar as contas de um gestor é do Legislativo.

“A competência para exercer controle externo das contas é da Câmara Municipal, e o parecer dos tribunais de conta não tem caráter vinculante”, afirmou. “Eu disse que se fazia necessário prestigiar a soberania popular daqueles que estão consagrados e que representam o povo”, acrescentou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ressaltando que a Corte devolveu essa prerrogativa de julgar as contas ao parlamento, “considerando-o soberano”. Ou seja, que a decisão dos parlamentares “prevalece sobre a opinião técnica”.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), por sua vez, apresentou uma nova questão de ordem, pedindo o arquivamento da denúncia sobre os decretos de créditos suplementares que fazem parte da denúncia contra Dilma. Ricardo Lewandowski também descartou o pedido, dizendo que este momento não servia para discutir o mérito do impeachment. A questão de ordem apresentada pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que pedia que fosse retirada dos autos do processo a questão sobre o plano Safra, também foi rejeitada pelo presidente do STF.

A sessão iniciada nesta quinta-feira (25) deu início à fase final do processo de impeachment. A petista é acusada de ter cometido irregularidades na gestão do Orçamento. A previsão é de que o julgamento tenha duração de 4 dias.

Dilma – que foi afastada da Presidência em maio, após a primeira votação na Casa -, será condenada se ao menos 54 dos 81 senadores considerarem que ela é culpada por ter editado três decretos de suplementação orçamentária sem o aval do Congresso e por ter cometido as chamadas pedaladas fiscais ao atrasar o pagamento de repasses pela União ao Plano Safra, do Banco do Brasil.

O pedido de impeachment de Dilma foi aceito pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no início de dezembro do ano passado. Na quarta-feira, 24, porém, quase nove meses depois, a sessão do Senado girou em torno da concessão de reajustes salariais para o funcionalismo, deixando em segundo plano o julgamento de Dilma.

A maior dificuldade do governo do presidente em exercício Michel Temer atualmente está em debelar a crise entre parte de sua legenda, o PMDB, favorável à aprovação dessas propostas, e o PSDB, contrário ao aumento. O governo ainda precisa afinar a base para levar a votação as principais matérias do ajuste fiscal: a PEC do teto dos gastos e a reforma da Previdência, ainda não apresentada.

Desde que assumiu interinamente o Palácio do Planalto, há 104 dias, Temer atuou para cabalar votos e consolidar apoios. E acenou – também se valendo de distribuição de cargos e liberação de recursos para obras – com reformas econômicas impopulares, como as mudanças na Previdência, a fim de recuperar a economia do País.

A maioria dos senadores, em especial o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), começou a avalizar a agenda econômica de Temer ainda antes do início do julgamento da presidente afastada.

Sessões

Senadores e interlocutores de Temer esperam um placar favorável a ele de 58 a 62 votos. Na quarta-feira, 25, durante uma reunião no gabinete do líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ficou acertada uma estratégia para encurtar as sessões de quinta e sexta-feira, 25 e 26, destinadas a ouvir as testemunhas – a ideia é não inquirir aquelas que são da acusação e que somente os líderes partidários ou indicados por eles farão os questionamentos.

Os governistas querem obter mais votos do que os 59 alcançados na sessão do último dia 10, quando a presidente afastada se tornou ré no processo. Contam até com o voto de Renan, que no processo de impeachment passou de aliado de Dilma – por ser desafeto histórico de Temer dentro do PMDB – a um dos principais parlamentares que endossaram a agenda do presidente em exercício. Renan articulou, no Congresso, a votação de matérias consideradas de interesse do Planalto.

O presidente do Senado já decidiu que viajará para a primeira reunião internacional de Temer se ele virar presidente efetivo: o encontro do G-20 na China, no início de setembro.

Já a aposta dos poucos aliados de Dilma é que a petista conquiste apoios de última hora, uma vez que ela fará sua defesa pessoalmente no Senado, na próxima segunda-feira. Dilma tem classificado o impeachment como “golpe parlamentar” e chegou a dizer que Temer e Cunha – que, nesse período, renunciou à presidência da Câmara depois de ter sido afastado do cargo e do mandato de deputado pelo Supremo – eram os chefes da “conspiração”.

Carta

Dilma pouco fez para reverter a situação desfavorável no período em que foi retirada do comando do País e praticamente se enclausurou no Palácio da Alvorada. Nesse ínterim, perdeu apoios de senadores que foram até vice-líderes do governo. Apesar dos apelos para agir logo, ela divulgou uma carta a apenas nove dias do julgamento em que reconhece ter cometido erros e na qual diz que, caso volte ao Planalto, pretende realizar um plebiscito para novas eleições presidenciais. Essa proposta foi rechaçada pelo seu próprio partido.

Se Dilma for condenada, encerra-se um período de 13 anos e quatro meses da gestão do PT no governo federal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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