A reunião aconteceu num hotel insuspeito.
Não foi coisa fácil de organizar.
Subprefeitura, Igreja, PM, entidades de direitos humanos, todos se mobilizaram.
De um lado, os moradores; do outro, os traficantes.
Assunto: violência.
A representante dos moradores pede que escureçam a sala e iniciem a projeção.
Assustados, dois traficantes enfiam as mãos nos paletós.
O chefe os interrompe com um gesto tranquilizador.
No telão, as imagens são de uma câmera de segurança, em preto e branco, meio fora de foco. Data e a hora indicam duas semanas atrás.
Dois carros estacionam, um de cada lado da rua de mão única.
Três sujeitos descem portando fuzis do Exército.
O carrinho da Segurança Privada não interfere.
Pelo contrário. Dá marcha à ré, acelerando, para se proteger de uma eventual bala perdida.
Nos próximos dezoito minutos, quatro veículos são assaltados.
O método é sempre o mesmo: um dos bandidos aponta o fuzil para o carro que se aproxima, os outros dois abordam o motorista e o passageiro.
A representante dos moradores fala sobre as imagens:
– O saldo foi de quatro celulares, três relógios, duas carteiras e uma bolsa. Um roubo de uns R$ 10 mil no máximo. E eu pergunto: armas de guerra para isso?
O traficante até aqui olha com desprezo para a apresentação.
A luzes se acendem novamente.
A representante dos moradores, uma senhora serena e educada, prossegue:
– Pois bem, senhores, essa é a situação do nosso bairro. Nossos moradores dia a dia ameaçados… todos os dias essa violência. E pra quê? Celulares? Trocados? Um ou outro notebook?
– Todo mundo tem que ganhar a vida, né, dona? — um dos traficantes arrisca falar, sob o olhar de reprovação do chefe.
– Entendo! Mas, com tanta violência, nossos investimentos em segurança cresceram muito! Primeiro foram essas guaritas horrorosas, depois as grades, aí vieram as empresas de segurança, as câmeras, as motos, os carros blindados… onde é que isso vai parar?
O chefe do tráfico interrompe:
– Do nosso lado também é complicado, minha senhora. Bons tempos que, no canivete mesmo, dava pra levantar uma grana, né, Pipoco?
Pipoco faz o gesto do “Acelera”, concordando com o chefe.
– Pois é exatamente por isso que nós pedimos essa reunião — a senhora retoma a palavra.
O chefe se debruça sobre a mesa, interessado.
– Eu, ou melhor, a Associação aqui dos moradores fez uma conta de quanto custa, mensalmente, nos proteger da violência e dos assaltos.
A representante empurra um pedacinho de papel dobrado para o chefe do tráfico.
Ele olha em volta, desconfiado, e abre o bilhete.
Ela continua:
– Nossa proposta é simples e inovadora: repassamos essa quantia para os senhores em troca de violência zero, entendem?
– Eita porra! — Pipoco deixa escapar ao ver a quantia.
Não se sabe exatamente como foram os termos.
Mas, de lá para cá, o bairro mudou. Não existem mais grades nem guaritas.
Os moradores caminham felizes pelas ruas a qualquer hora do dia ou da noite.
Sem ter o que fazer, os criminosos agora frequentam cursos técnicos.
A representante dos moradores virou assessora da Prefeitura.
Está espalhando o Projeto Seguro Segurança por outros bairros.
Dizem que ela quer mesmo é Brasília. Mas ela nega: – Ali é caso perdido… — alguém a ouviu dizer, à boca pequena.

Sem ter o que fazer, os criminosos agora frequentam cursos técnicos. A representante dos moradores virou assessora da Prefeitura


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