Depois de ter passado por PMDB, PSDB e PV, o senador paranaense Álvaro Dias, de 72 anos, faz parte agora do Podemos. O novo partido, formado a partir do PTN, é assumidamente inspirado em legendas europeias que pregam a participação direta da população nas decisões de seus representantes, caso do francês República em Marcha!, que elegeu o presidente Emmanuel Macron usando sobretudo as plataformas digitais para interagir com o eleitor. Álvaro Dias é o nome mais cotado no Podemos para disputar a Presidência da República em 2018. Por isso mesmo, já afina o discurso, colocando-se como uma alternativa de centro: ele diz que está posicionado fora da dicotomia entre a direita e a esquerda. Na entrevista a seguir, o senador não poupa críticas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao atual, Michel Temer, e nem àquele que pode vir a ser o chefe interino do Executivo, o deputado Rodrigo Maia (Democratas-RJ).

Seu atual partido, o Podemos, adotou postura independente em relação ao governo de Michel Temer. O senhor votou pelo impeachment da ex-presidente Dilma. A troca valeu a pena?

Estou confortável, porque eu defendia o impeachment completo, com a saída da presidente e do vice. Assim, teríamos eleições diretas, evitando essa crise política sem fim. Até apresentei denúncias de que o então vice-presidente Temer havia cometido crimes de responsabilidade idênticos aos de Dilma. Agora, o presidente pode até superar essa primeira denúncia, mas outras virão e a crise não se esgota. Mas eu acho que a essa altura, se Temer sair e entrar o Rodrigo Maia, a crise apenas mudará de nome. Deixaria de se chamar Temer e passaria a se chamar Maia. E o país continuará sangrando. Não vejo alteração, fica no mesmo patamar. Não vejo diferença entre um e outro, como não via diferença entre Dilma e Temer. Porque o modelo que se adota para exercício do poder é o mesmo: promíscuo de balcão de negócios. Com os ministros mais próximos todos investigados ou em processo de investigação.

O senhor foi do PMDB, do PSDB e do PV. Por que decidiu ir para um novo partido?

Angústia é uma palavra que define bem. Uma sensação de impotência diante do quadro de siglas para registro de candidaturas que não se constituem em instrumentos programáticos capazes de repercutir as prioridades da população. A partir da operação Lava Jato a população passa a questionar fortemente os partidos. Até este momento, os partidos não eram “julgados” nas urnas, apenas os candidatos. Agora, serão julgados e condenados pelo eleitor porque perderam a credibilidade. O que nos obriga a propor uma alternativa. É uma tentativa que se faz de apresentar um partido que se distancie do quadro atual. Não nos vinculamos ideologicamente à extrema direita ou extrema esquerda, trabalhamos contra essa dicotomia e pretendemos nos valer de ideias importantes de cada um dos lados, para caminhar adiante.

O senhor poderia dar exemplos de quais boas ideias da esquerda e da direita o partido vai incorporar?

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É preciso enxugar o Estado, eliminar estruturas superpostas que limitam o investimento produtivo do poder público. Pregamos a reforma administrativa, mudar essa relação promíscua de poderes, com partidos, governos e setores da iniciativa privada. O modelo de loteamento de cargos também está condenado porque levou o governo ao fracasso. É uma pregação que cai bem no campo da direita. Da esquerda, temos que valorizar programas sociais, em função da pobreza existente no País. Melhor distribuição de renda e justiça social são teses encampadas teoricamente pela esquerda mas, evidentemente, não se trata de um patrimônio exclusivo. O que imaginamos é que as prioridades da população se alteram, porque a realidade social é dinâmica, e nós temos que acompanhar as mudanças. Por isso, chamamos de um partido de causas, de movimento.

A inspiração é a bem-sucedida experiência que levou Emmanuel Macron à presidência da França?

Sim. Macron integrava o Partido Socialista e poderia ter sido candidato por lá, onde tinha militância. Mas fez a leitura correta do que se passava com a população francesa e percebeu que o discurso socialista não era mais acolhido. Em 11 meses, criou o partido República em Marcha!, elegeu-se presidente e com boa representação no Parlamento. Ou seja, o projeto deu certo. Aqui, tentamos repetir a iniciativa. Não sabemos se seremos bem-sucedidos pois dependemos das pessoas que aderirem ao projeto. Hoje, temos 15 deputados federais de primeiro mandato e só um que está no segundo mandato.

O Podemos nasceu a partir do PTN. Houve críticas de que seria apenas uma mudança de nome…

Há um preconceito em relação às tentativas de inovar, aí se faz um pré-julgamento. O Podemos não tem passado, só tem futuro. O PTN existiu por muito tempo, mas praticamente não existia mais: eram apenas quatro deputados federais de primeiro mandato. Não se trata de uma roupagem nova. Trata-se da refundação de um partido, que você usa o registro partidário, exatamente para não criar mais um. Mas o conteúdo, o programa, o estatuto são todos novos, o modelo de gestão é diferente. É preciso esperar para julgar. São todos deputados de primeiro mandato. O único político tradicional sou eu, porque tenho vários mandatos. Mas tenho uma experiência política que não pode ser condenada, ela deve ser valorizada quando o itinerário percorrido é intocável. E é preciso também conhecer a conduta nesses anos todos. Qual foi o comportamento desse político? Foi estático de quem viu a banda passar e não se movimentou? Ou alguém que até pelo inconformismo acabou mudando de partido várias vezes?

Por que o senhor mudou de partido tantas vezes?

Mudei e, se necessário, mudaria novamente, porque não posso conviver com estruturas partidárias que não evoluem, que não exercitam a democracia partidária, que são siglas apenas para registros de candidaturas, partidos dirigidos cartorialmente de cima para baixo. Quantas vezes eu insisti, dentro do PSDB, na definição de eleições primárias para escolha de candidatos majoritários, sem nunca ser atendido? Mas, especialmente, as minhas mudanças ocorreram para fugir do ambiente contaminado de corrupção. O desconforto me motivou a me movimentar. É preciso praticar o discurso. A mudança de partido ocorre, muitas vezes, para não mudar de lado.

Será candidato a presidente pelo Podemos?

Quem se dispõe a participar da construção de um partido não pode chegar postulando. Mas também não tem o direito de recusar eventual convocação. O partido que deseja se posicionar de forma diferente tem o dever de apresentar uma alternativa concreta com projeto de nação. Esse é o desejo do Podemos. Essa será uma eleição diferente, mais parecida com a de 1989, em que as estruturas partidárias não tiveram peso fundamental. A questão da imagem acaba prevalecendo nesses momentos de grande inconformismo da população. É evidente que eu considero cedo para essa definição.

 


Como funciona o modelo de exercício direto da democracia, proposto pelo partido?

Nos inspiramos no Podemos, da Espanha, no República em Marcha!, da França, no Movimento 5 Estrelas, da Itália. No Brasil, com esse modelo, acho que somos os primeiros. Vamos usar os avanços tecnológicos, a interação permanente com as pessoas interessadas através de uma plataforma na internet para ouvir sugestões. Teremos site, aplicativo para celular, estamos nos organizando. O objetivo é ouvir sobre as prioridades do momento. A gente coloca o tema em pauta e as pessoas orientam como deverá ser o voto do partido. Além disso, com 20 mil assinaturas, uma proposta apresentada por eleitores que for constitucional será apresentada pela bancada da Câmara e do Senado. Será aberto para qualquer cidadão.

Como fugir da armadilha de uma mobilização corporativista para influir nessa participação?

O partido terá que participar do debate, sentir o que está sendo discutido e distinguir o que é real do “fake”.

Como avalia a condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro?

Decisão inevitável. Seria uma frustração para a sociedade lúcida do País se o principal responsável pelo esquema de corrupção idealizado nos últimos governos ficasse sob o manto da impunidade. Não podemos discutir decisões jurídicas. A análise é das consequências. Estamos vivendo o momento da limpeza para abrir caminhos para uma mudança. Existem decisões emblemáticas e esta é uma delas. Até então, o conceito era o de que a Justiça só alcançava os pobres por aqui e hoje verificamos que, de forma inédita e histórica, um ex-presidente da República é condenado, enquanto o atual presidente, Michel Temer, é denunciado e a ex-presidente Dilma Rousseff é investigada. Sinaliza a mudança do conceito de Justiça no Brasil para se reabilitar as esperanças da população nas instituições públicas brasileiras e isso e se dá sobre os escombros do desgaste da prevalência da impunidade nos últimos anos.

Há parlamentares que, mesmo adversários entre si, estão dando uma trégua nos ataques para enfrentar um “inimigo comum”: os setores da sociedade que criticam a classe política. O senhor faz parte deste grupo?

Um movimento como esse não pode se tornar conspiração contra a operação Lava Jato. O pretexto da criminalização da classe política não pode ser utilizado para fragilizar as investigações. Ela é prioridade nacional. Temos que defender e valorizar a Polícia Federal, o Ministério Público e parte da Justiça Federal que vem correspondendo às expectativas agindo com independência e rigor. No mundo da política é preciso separar o joio do trigo. Distinguir uns dos outros. A generalização não interessa à democracia. Não há organização social e política sem políticos. E o Ministério Público e a Justiça têm a responsabilidade de evitar a execração, transformando a mídia em um tribunal de exceção, com nomes que são jogados à fera sem justificadas razões. O mais importante é que seja um ano de limpeza real e que se possa aplainar o caminho para vivermos um novo tempo na política, recuperando credibilidade.

 

Se o senhor for candidato s presidente em 2018, seu cachorro fará parte da campanha, como fez em 2014 para o Senado?

O Hugo Henrique é um bom cabo eleitoral. Creio que a presença dele será inevitável (risos).


 


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